Apesar de capital e trabalho serem vistos sempre como adversários, notou-se que em nada adiantaria ver a outra parte como oponente. Foi necessário um esforço conjunto para que pudéssemos alcançar o denominador comum
Assim como em todos os ramos de atuação, as negociações sindicais tiveram que se reinventar durante a pandemia. As crises econômica e sanitária tornaram mais difíceis as negociações nos últimos dois anos. De um lado temos os sindicatos patronais visando à manutenção dos empregos, do outro temos os sindicatos de trabalhadores requerendo o reconhecimento dos profissionais da saúde. Ambos os pleitos, legítimos e pautados em fortes fatos, tornam ainda mais difícil o equilíbrio das negociações, pois, paralelamente, temos o Brasil liderando como o país que mais perdeu profissionais da saúde para a Covid-19, além de uma inflação crescente e descontrolada, perda do poder aquisitivo e rápidas adaptações por parte das empresas, o que demandam realocação de recursos financeiros imprevistos e imediatos.
A incerteza quanto ao futuro, principalmente no início da pandemia, desafiou toda a estrutura de confiança construída nos últimos anos entre os sindicatos, demandando que patronal e laboral mantivessem um diálogo social maduro e responsável na busca de soluções conjuntas para o bem comum e, particularmente, para amenizar os males decorrentes do cenário payday loans online in illinois . Além das questões econômicas relacionadas, muitas cláusulas sociais tiveram que ser desenvolvidas e revisadas, visando a garantir segurança entre as partes diante da nova realidade que revolucionou as relações de trabalho e negociais.
No início da pandemia, nos deparamos com a primeira dificuldade relacionada diretamente ao fluxo de trabalho. Muitos sindicatos não tinham previsão estatutária que autorizasse a realização das assembleias virtuais ou tecnologias suficientes para estruturar um sistema com votações transparentes e controle de participantes. Por conta desses motivos, as negociações atrasaram, ocasionando assinaturas tardias de convenções. Há repercussão ainda hoje, mais de um ano e meio do início do período pandêmico decretado pela Organização Mundial de Saúde. Importante destacar, com relação a essa mora, é que, quanto mais as negociações se prolongam no tempo, maior é o custo de valores retroativos e a insatisfação dos profissionais.
Paralelamente, empresas e funcionários também adaptaram suas estruturas para o desenvolvimento do teletrabalho. Reorganização que demandou grandes investimentos financeiros na aquisição de tecnologias, por exemplo, para os profissionais com atuação em setores administrativos, para que pudessem desenvolver a sua ocupação em segurança, diante do vírus desconhecido.
Vale citar uma importante e imediata adaptação das operadoras de saúde: o uso da telessaúde, em especial, da telemedicina. Com exceção das normas aprovadas de forma ampla, sem grandes restrições, para o período de pandemia, não há, até hoje, lei ou Decreto que regule o uso da Telemedicina no Brasil.
O desespero instaurado no início da pandemia resultou na procura descontrolada por Equipamentos de Proteção Individual por toda a população, gerando desabastecimento, principalmente de máscaras e luvas. Tal fato ganhou tamanha proporção, que além do próprio ministro da Saúde à época recomendar o uso das máscaras PFF2/N95 somente por profissionais da saúde, a Anvisa divulgou a Nota Técnica 12/2020/SEI/GGTES/DIRE1 com informações e orientações sobre o reprocessamento e reuso de EPI. Essa procura generalizada fez com que os valores dos EPIs aumentassem e, assim, os planos de saúde tiveram que adquirir equipamentos por preços muito superiores aos praticados até então.
No âmbito sindical, a falta de EPIs resultou no recebimento de diversos dissídios coletivos instaurados pelos sindicatos laborais em face das entidades patronais, já que, supostamente, os profissionais que atuavam na linha de frente da Covid-19 não estavam recebendo devidamente tais equipamentos.
Enquanto os procedimentos eletivos foram suspensos, as internações em UTI aumentaram drasticamente, quase colapsando os sistemas privado e público de saúde. Ao mesmo tempo, os profissionais da saúde faziam o possível e o impossível para salvar vidas, e as empresas buscavam abrir novos leitos e adquirir insumos médicos, como oxigênio e medicamentos, com valores extremamente inflacionados.
Todos esses fatos interferiram diretamente nas negociações sindicais. Por desembolsar tantos valores superiores aos provisionados – pois nem os mais precavidos previram tal pandemia – houve grande dificuldade em chegar a um índice de reajuste comum entre as partes, dificuldade que persiste neste ano, em que o índice inflacionário não para de subir.
Apenas para se ter uma ideia, a evolução do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e muito usado como referência em todas as questões de ajustes salariais e em negociações, não para de crescer. Em 2020, o INPC fechou em 5,45%. Neste ano até agosto, o INPC já está em 5,94%, superando o acumulado do ano passado inteiro.
É difícil chegar a um meio termo com tamanha disparidade. No entanto, as negociações, destacando as sindicais, têm se mostrado imprescindíveis de ambos os lados para a sustentabilidade do sistema da relação de trabalho. Isso porque é da essência do negociador a busca incansável por alcançar objetivos definidos em situações de divergências de ideias, interesses e posições, ponderando um meio termo para todos que compõem e fortalecem o setor.
O desafio não acabou, nem se sabe ao certo quando a pandemia irá efetivamente terminar, porém muitas lições foram ensinadas nesses quase dois anos de negociações pandêmicas. As relações de trabalho e negociais nunca mais serão como antes.
Não sabemos que adversidades ainda enfrentaremos até a total normalização, mas, com certeza, parte desses obstáculos foram superados. Apesar de capital e trabalho serem vistos sempre como adversários, notou-se que em nada adiantaria ver a outra parte como oponente. Foi necessário um esforço conjunto para que pudéssemos alcançar o denominador comum.
Fonte: Migalhas – 04/01/2022
Por Nathalia Pompeu e Laís Abreu
Nathalia Pompeu
Superintendente jurídica do Sistema Abramge/Sinamge/Sinog
Laís Abreu
Advogada do Sistema Abramge/Sinamge/Sinog
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