Planos de saúde: Rol taxativo e exemplificativo

Medida aprovada ameaça tornar inviável várias operadoras

Muito se tem discutido ultimamente sobre as coberturas dos planos de saúde no nosso BrasilRol taxativo ou exemplificativopiso da categoria de enfermagem; ressarcimento ao SUS; padrão de remuneração aos médicos e demais profissionais de saúde; cobertura ilimitada ou não para terapias. Essas discussões têm evoluído bem rapidamente e podem estar condenando as operadoras de planos de saúde à extinção.

Na análise aqui em tese, em momento nenhum pretendemos ponderar se alguma dessas pautas é justa ou não, visto serem todas de excelente aplicação, e causas justíssimas estão representadas. Não temos qualquer intenção de desmerecer nenhuma classe laborativa ou mesmo causa necessária. Todas as doenças colocam em risco as pessoas e, portanto, merecem e precisam ser combatidas. Nosso ponto de vista somente deseja trazer uma reflexão sobre a sustentabilidade ou não desse segmento num país ainda tão atrasado e empobrecido por razões mil (culturais, atitudinais, históricas etc.).

Vivemos num país de dimensões continentais, onde nem o setor público de saúde consegue abranger e atender a todos. O SUS, projeto brilhante desde o nascimento tem uma trajetória de vida bastante distante do seu futuro desejado. Filas intermináveis de atendimento e falta de serviços básicos, profissionais mal remunerados, hospitais deficitários e regiões desassistidas ainda são uma tônica em nossa saúde pública.

Paralelamente a essa situação cresceram em nosso país empresas que se dispõem a trabalhar como operadoras de planos de saúde suplementar. Ou seja, para abrandar essa crescente demanda, elas prestam serviços de saúde suplementarmente ao SUS de forma a atenuar as dificuldades de acesso e cobertura do sistema oficial. Se o SUS funcionasse na perfeição como o projeto previa, não haveria espaço para existência dessas empresas, relegadas talvez só a oferecer acomodações de maior conforto por um preço definido.

50 MILHÕES DE BRASILEIROS UTILIZAM PLANOS DE SAÚDE

Mas não é isso que acontece. Hoje, 50 milhões de brasileiros utilizam esse sistema suplementar como sua solução de saúde. Obviamente, um alívio de 25% sobre a população atendida deve ser de grande valia para o sistema público, que mesmo assim ainda não consegue atender a todos da forma como foi planejado.

Apesar disso, inúmeras demandas têm afligido a população brasileira nesse segmento saúde, e vemos pouco a pouco essas demandas sendo transferidas para o setor suplementar sem o devido debate inicial necessário: o sistema suporta essas novas demandas? As operadoras de saúde suplementar têm margens para atender essas novas obrigações?

Na minha humilde opinião, de quem trabalha em planos de saúde nos últimos 20 anos, posso afirmar que não. As empresas não suportam esse aumento de demandas e obrigações sem repasse aos seus usuários. Para não ficar somente embasado na minha opinião, vamos aos dados disponíveis pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em seus relatórios dos últimos 20 anos. Em média as operadoras gastam entre 77% e 82% dos seus recebimentos com pagamento de despesas assistenciais (pagamentos de laboratórios, clínicas, profissionais de saúde, hospitais e indústria farmacêutica). Ou seja, sobram 20% para as demais despesas. Entre 9% e 13% são gastos em impostos conforme legislação pertinente. Ou seja, sobram entre 11% e 7% para custear os custos administrativos dessas operações. Ocorre que todas essas empresas têm gastos administrativos tais como aluguel, salários de funcionários, lanche, luz, internet, custos com informática etc. Percebe-se nessa simples avaliação que a margem de lucro é mínima e se baseia única e exclusivamente num fator: escala.

OPERADORAS DE MENOR PORTE SERÃO AS PRIMEIRAS A SE TORNAR INVIÁVEIS

Ou seja, empresas que detêm muitos usuários poderão se beneficiar do princípio do mutualismo, a saber, nem sempre todos estarão doentes ao mesmo tempo. Essa escala é o único diferencial que ainda permite esse tipo de operação. Para definir o preço a ser cobrado dos usuários (chamados de beneficiários pela ANS) as Operadoras se baseiam em uma análise estatística que analisa as coberturas ofertadas, versus a ocorrência histórica de cada procedimento conforme a cobertura e o preço pago por cada um deles. A isso chamamos de cálculo atuarial, uma área muito importante da estatística, desempenhada por profissionais formados e habilitados para esse fim.

A simples troca do rol taxativo pelo exemplificativo destruirá as bases de qualquer cálculo preditivo sobre o custo das operadoras e essas se tornarão passageiras de uma rota imprevisível. Nossa percepção? As operadoras de menor porte (abaixo de 20 mil beneficiários) serão as primeiras a se tornar inviáveis, prejudicando sobremaneira a sobrevivência desse setor nas cidades do interior do país. Persistirão com sérias dificuldades as empresas médias (aquelas operadoras entre 20 mil e 99 mil beneficiários) mas no médio prazo devem ter o mesmo fim. Ainda não sabemos como se comportarão as grandes empresas, com número de vidas muito grande. Somente o tempo dirá.

Portanto, nossa intenção não é desmerecer qualquer classe de trabalhadores ou mesmo grupos de pacientes portadores de patologias raras. Aqui somente gostaríamos de alertar que o remédio pode prejudicar a saúde desse segmento e talvez até extinguir com ele. Cabe uma reflexão meticulosa sobre se as novas incorporações de direitos e benefícios valem o risco de todos nós brasileiros retornarmos para o sistema público de saúde, agravando ainda mais aquilo que já não funciona adequadamente.

Fonte: O Tempo – 01/09/2022

Por Celso Dilascio*

*Celso Dilascio é presidente da Associação Brasileira dos Planos de Saúde (Abramge) em Minas Gerais.

Conteúdo publicado originalmente pelo O Tempo 
(https://www.otempo.com.br/opiniao/artigos/planos-de-saude-rol-taxativo-e-exemplificativo-1.2725366)