Pequenos planos de saúde coletivos, que atendem até 29 pessoas, tiveram aumento bem maior que os demais planos neste ano, de acordo com dados da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). A alta foi de 9,84%, enquanto planos coletivos com mais de 30 pessoas subiram 5,55% e os individuais, na verdade, ficaram até mais baratos, com queda de 8,19%.
Os planos menores atendem principalmente pequenos empresários e trabalhadores inscritos como MEI (Microempreendedor Individual). A discrepância entre os reajustes mostra que não tem tido efeito uma resolução da agência criada justamente para suavizar o aumento dos planos com até 29 vidas.
As regras para os reajustes são diferentes dependendo do tipo de plano. Enquanto os individuais têm aumento máximo determinado pela ANS, os coletivos têm liberdade para definir preços, sem atuação da agência. Nesse caso, a negociação é feita diretamente entre as operadoras e os clientes, tanto no caso dos grandes planos quanto no de pequenos.
Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que a falta de limite para o reajuste prejudica os consumidores, principalmente os de planos menores, já que eles têm pouca força de negociação com as operadoras. Já a associação dos planos de saúde diz que a fórmula de cálculo do reajuste está prevista em contrato e que as altas decorrem do aumento nos custos dos procedimentos médicos.
Resolução busca conter reajustes
A conta que define de quanto será o reajuste de planos de saúde coletivos inclui a sinistralidade, ou seja, o que foi gasto com procedimentos médicos e o que foi pago pelos beneficiários nas mensalidades, explica Melissa Kanda, advogada especializada em direito médico e à saúde.
No caso dos planos maiores, com mais de 30 vidas, essa conta é feita em cada contrato, anualmente.
Agora imagine um plano de uma empresa pequena, na qual um funcionário pegou covid-19 e ficou muito tempo internado. Por essa regra, o contrato teria uma sinistralidade muito alta, porque poucas pessoas dividiriam uma despesa muito grande. Melissa Kanda, advogada.
Uma resolução da ANS, publicada em 2012, buscou minimizar esse problema. Pela norma, uma mesma operadora deve agrupar os contratos de todos os planos de saúde com até 29 pessoas, e então calcular o reajuste. Ou seja, a conta considera as despesas de todos esses planos juntos, e não de cada um individualmente. Assim, os custos são diluídos, e a tendência é que o aumento seja menor.
A ANS diz que fiscaliza se o agrupamento dos contratos está sendo realizado e, caso encontre alguma irregularidade, pode aplicar multa de R$ 45 mil a cada descumprimento da regra.
Pequenos sobem mais que grandes
Mesmo assim, os reajustes dos planos pequenos nos últimos anos têm sido maiores que os dos grandes, segundo os dados da ANS, disponíveis desde 2016.
Aumentos médios dos planos de saúde coletivos:
2021:
Até 29 vidas: 9,84%
30 vidas ou mais: 5,55%
2020:
Até 29 vidas: 11,15%
30 vidas ou mais: 7,10%
2019:
Até 29 vidas: 13,5%
30 vidas ou mais: 9,99%
2018:
Até 29 vidas: 15,64%
30 vidas ou mais: 11,33%
2017:
Até 29 vidas: 16,86%
30 vidas ou mais: 13,86%
2016:
Até 29 vidas: 16,94%
30 vidas ou mais: 15,05%
Fonte: Painel de Reajustes de Planos Coletivos da ANS
Falta proteção, dizem especialistas
Para Rafael Robba, advogado especializado em Direito à Saúde do Vilhena Silva Advogados, os números mostram que a resolução “não está funcionando”.
Se, mesmo com a resolução, as pessoas que têm esses planos coletivos pequenos estão tendo reajustes maiores do que os dos planos vinculados a grandes empresas, é sinal de que essas pessoas não estão recebendo a proteção que deveriam. Rafael Robba, advogado.
Ele cita como prejudicadas, por exemplo, famílias que abrem pessoas jurídicas só para contratar o plano de saúde, já que as regras do plano individual são mais restritas. A prática não é ilegal mas, pela norma da ANS, pessoas inscritas como MEI precisam comprovar que tiveram atividade econômica por pelo menos seis meses para poder contratar um plano de saúde coletivo.
Marina Paullelli, advogada especializada em planos de saúde no Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), afirma que os reajustes “são abusivos” e que a ANS precisa exercer uma regulação mais efetiva dos planos coletivos.
Um consumidor que é MEI e contrata um plano coletivo de pequeno porte não tem qualquer poder de barganha com a operadora para negociar o reajuste. A ANS deveria regular esses aumentos da mesma forma que faz com os planos individuais, ainda mais porque eles são 80% dos planos. Marina Paullelli, do Idec.
Segundo Flávia Bahia, professora de direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), é preciso que a regulação seja readequada para os planos de saúde coletivos, com a realização de auditorias “minuciosas” em planilhas de cálculo.
É uma questão de equidade, já que o plano de saúde se relaciona com a vida propriamente dita. Não vejo irregularidades [nos reajustes], mas sim a necessidade de uma atenção maior da ANS com relação a esses contratos, que são coletivos mas têm um poder de negociação muito baixo. Flávia Bahia, professora da FGV.
Interferência da ANS poderia diminuir oferta de planos, diz associação
Renato Casarotti, presidente da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), diz que os reajustes são altos, mas não abusivos ou indevidos.
Um reajuste abusivo é aquele que não é justificado, uma cobrança excessiva. O reajuste dos planos não é abusivo, mas é alto quando comparamos com outros setores porque a inflação na área da saúde é alta. Renato Casarotti, da Abramge.
Casarotti concorda que os clientes de planos coletivos de menor porte não têm poder de negociação. Segundo ele, porém, a fórmula de cálculo do reajuste está prevista no contrato desde a adesão, e deveria ser levada em conta pelos clientes na hora de adquirir um plano.
É uma regra que está no contrato. O que podemos discutir é como trazer mais transparência para isso. O cliente, na hora de escolher um plano, deveria olhar não só a rede de atendimento ou o preço, mas também como o plano é reajustado. E as operadoras poderiam aproveitar isso na hora de vender o produto. Renato Casarotti, da Abramge.
Sobre a discrepância entre os reajustes de planos individuais e coletivos, Casarotti afirma que não é possível comparar os dois casos, já que as metodologias de cálculo são diferentes.
Para os planos individuais, a conta feita pela ANS considera a variação dos custos e o número de beneficiários em todo o país, independentemente da operadora. Como o valor máximo de reajuste estabelecido pela agência é uma média, alguns planos deveriam ter reajustes maiores, se fossem considerados seus custos, e outros, menores.
Casarotti diz que esse mecanismo acabou inviabilizando muitos planos de saúde individuais, já que os reajustes não cobriam todos os custos. Por isso, a oferta de planos individuais com rede de cobertura mais ampla diminuiu. Segundo ele, é o que pode acontecer se o reajuste de planos coletivos menores também for determinado pela ANS.
Essa solução parece muito atraente, mas na verdade vai acabar restringindo a oferta. O que vai acontecer é que só vai ter plano de saúde quem trabalhar em uma empresa com mais de 30 pessoas. Renato Casarotti, da Abramge.
FenaSaúde diz que aumento é menor que a inflação médica
Em nota, a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) afirmou que o modelo estabelecido pela ANS para planos coletivos com até 29 vidas tem “garantido que os reajustes sejam, historicamente, mais baixos que a inflação médica”.
A entidade disse, ainda, que os aumentos aplicados em 2021 para os planos coletivos, de maneira geral, estão “entre os mais baixos já aplicados pelas operadoras pelo menos desde 2013”.
ANS não se manifesta
O UOL procurou a ANS, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Fonte: UOL – 08/10/2021
Por Giulia Fontes
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