Entre inovações tecnológicas e ferramentas de gestão, novos planos de saúde buscam opções para reduzir a burocracia e integrar o cuidado dos pacientes
Nesta semana, Futuro da Saúde publicará uma reportagem especial sobre as novas healthtechs de planos de saúde, que será dividida em duas partes. A primeira parte traz uma visão do cenário atual, o papel da tecnologia para explorar o mercado de saúde suplementar e os desafios para as healhtechs. A segunda parte, que será publicada na quinta-feira, 25, mostrará quais os diferenciais de mercado na visão de três destas novas empresas: Alice, Qsaúde e Sami. Acompanhe abaixo a primeira parte:
Na última atualização feita pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em janeiro de 2021, havia 47.693.095 usuários em planos de assistência médica ativos. Um mercado e tanto para um País com 212 milhões de habitantes. Mesmo em tempos de crise, a saúde suplementar não para de crescer. Ainda de acordo com a ANS, o número de pessoas com planos de saúde registrados em janeiro é o maior número desde dezembro de 2016.
Na esteira dessa demanda crescente pela saúde suplementar e acompanhando as mudanças que o setor da saúde tem passado com a digitalização nos últimos anos, várias startups surgiram com soluções inovadoras e tecnológicas para modernizar e otimizar o sistema de saúde e suas ramificações: as healthtechs.
Nos últimos cinco anos o número de healthtechs aumentou 104,5%, segundo a terceira edição do estudo Distrito Healthtech Report. Em 2015 eram 265 empresas contra 542 criadas até 2020. Chama a atenção o quanto essas empresas movimentam: desde 2014, US$ 430 milhões foram investidos no Brasil em healthtechs, de acordo com o Distrito Dataminer. Só neste ano, foram mais de US$50 milhões. Deste montante a healthtech Alice sozinha captou US$ 33 milhões. Como a Alice, existem outras operadoras de saúde que vendem seus planos de forma totalmente digital, como QSaúde e Sami.
Para Marcos Paulo Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (ABRAMGE), as healthtechs trazem inovações que vão alterando a formatação dos produtos e serviços relacionados à área da saúde. Com isso, trazem uma concorrência sadia ao mercado com o objetivo de aperfeiçoar os produtos e serviços, de melhorar o acesso e de proporcionar um ambiente mais integrado, melhorando o cuidado do paciente. A ABRAMGE reúne 136 operadoras associadas, a maioria com rede própria.
A mestra em administração de empresas, professora titular da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e coordenadora do GVsaúde da FGV, Ana Maria Malik, analisa que o mercado está se profissionalizando, já que no século passado as decisões de saúde eram tomadas por profissionais da área, diferentemente do que acontece hoje, quando o setor foi dominado por gestores de fato.
“Não dá mais para você imaginar esse modelo atual se sustentando daqui a 10 anos. Tem que ser diferente e é isso que as healthtecs estão enxergando”, afirma o vice-presidente executivo do Qsaúde, Anderson Nascimento. Este é o mesmo pensamento do cofundador e presidente da Sami, Vitor Asseituno. “As startups entram no mercado da saúde para melhorar e democratizar o atendimento. No modelo atual a conta não fecha: na relação entre paciente, médico e plano de saúde, em momento algum as três partes saem ganhando”.
“A tecnologia pode ser um bom mecanismo de aproximar o cidadão do serviço de saúde ou de quem pode resolver os problemas de saúde. Contudo, não há garantia de que será assim pois estamos falando de interesses majoritariamente comerciais”, diz Malik.
Tecnologia e inovação impulsionam novos caminhos no mercado
Inovar vai muito além de criar equipamentos ou implementar tecnologia em toda uma cadeira de produtos ou serviços. “Nós temos inovações, por exemplo, na forma de como organizar a rede de atendimento ao paciente. Esse movimento de organização logística da rede é uma inovação muito grande no setor de saúde”, afirma Novais, da ABRAMGE.
Dentro desse nicho inovador das healthtechs, os planos de saúde digitais ganham destaque por apresentar novas propostas ao consumidor, unindo a tecnologia, a otimização dos processos e a qualidade do atendimento médico, diminuindo os custos da operação, sem deixar de atender as necessidades do paciente. A telessaúde tem papel preponderante neste cenário.
Impulsionada pela pandemia de Covid-19, a telemedicina traz vantagens para os pacientes e para as empresas. A ideia é que as pessoas tenham o pronto-socorro como referência real de casos de urgência e emergência, utilizando a rede ambulatorial para casos menos graves e conversando com um médico por videochamada.
“Nós fizemos uma pesquisa de junho a dezembro de 2020 com algumas operadoras que atendem atualmente seis milhões de beneficiários. Foram dois milhões de consultas à distância. A cada três beneficiários, um utilizou o serviço de telessaúde”, relata Novais. Ele diz que 80% dos casos foram solucionados por via digital, sem que as pessoas precisassem ir a um pronto-socorro. Em 20% dos casos foi indicado que a pessoa fosse até um pronto-atendimento para fazer algum tipo de avaliação presencial. Desses 20%, 15% retornaram para casa logo após a avaliação e apenas 5% tiveram que ser encaminhados para uma unidade hospitalar pois precisavam de mais cuidados.
Como a continuidade da telemedicina pós-Covid-19, Ana Maria Malik acredita que mudanças como a que trouxe a telemedicina para o centro das atenções são irreversíveis. “O importante é considerar a devida regulamentação da ferramenta considerando as melhorias necessárias”.
Outro desafio é a ampliação geográfica da cobertura. Atualmente Alice, QSaúde e Sami estão concentrados na região metropolitana de São Paulo e contam com a rede de atendimento e parcerias de hospitais e laboratórios principalmente na cidade de São Paulo.
Um terceiro ponto a ser superado é o custo. Os planos tradicionais recebem inúmeras críticas devido ao reajuste anual nos contratos. Essas novas empresas buscam um novo modelo para equilibrar os custos. O uso das tecnologias e gestão da informação quer acompanhar o paciente em sua rotina e ajudá-lo no cuidado preventivo da saúde para que precisem cada vez menos comparecer a um hospital ou ambulatório.
A ANS define uma lista de consultas, exames e tratamentos, denominada Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que as operadoras são obrigadas a oferecer, conforme cada tipo de plano de saúde – ambulatorial, hospitalar com ou sem obstetrícia, referência ou odontológico. A cobertura dos planos atrelados às healthtecs não foge a essa regra e deve atender aos procedimentos definidos pela ANS. “Quando se fala em dar cobertura ao beneficiário, isso é configurado como operadora de saúde e precisa estar regulamentado. O primeiro passo ao receber esse tipo de oferta é verificar se aquela empresa está devidamente registrada. Isso dá segurança. Dá tranquilidade que aquele serviço tem condições de ser entregue”, alerta o Superintendente da ABRAMGE.
Embora alguns afirmem trabalhar com valores até 20% abaixo do mercado, a concorrência com os planos tradicionais não necessariamente se dá pelo preço e sim pela possibilidade de ter acesso a hospitais de referência credenciados como Hospital Albert Einstein e Hospital Alemão Oswaldo Cruz, ambos em São Paulo.
Fonte: Futuro da Saúde – 23/03/2021
Por Rodrigo Moraes
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