Segundo presidente da Amib, várias regiões do país têm estoque do chamado kit intubação para apenas cinco dias
Mal se passaram dois meses desde o maior número de mortes por Covid-19 em um só dia (em 8 de abril, o Brasil registrou 4.249 óbitos devido à doença), e o país já se prepara para a chamada terceira onda da pandemia do novo coronavírus. A situação preocupa especialistas e associações, que temem novo colapso do sistema de saúde, com falta de vagas em unidades de terapia intensiva (UTIs) e de medicamentos do chamado kit intubação.
Em março e abril, hospitais dos quatro cantos do país e gestores públicos anunciaram a falta de analgésicos, sedativos e bloqueadores musculares, em meio à segunda onda da Covid-19. Com o potencial agravamento da pandemia, novamente, brasileiros podem reviver o pesadelo de não encontrarem o básico para ter a doença tratada.
Nas últimas semanas, a média móvel de casos de Covid-19 voltou a ter leve crescimento no país, segundo dados publicados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). O epidemiologista e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal explica que esse aumento geralmente antecede a alta do número de mortes em decorrência da doença, em um efeito “escadinha”.
Em conversa com o Metrópoles, Hallal salienta, ainda, dois grandes problemas para a chamada terceira onda, que, segundo o especialista, será “muito ruim” para o sistema de saúde brasileiro.
“O primeiro problema é que ela começa em um patamar muito mais alto. A gente está começando em 2 mil mortes por dia. Imagina, se a gente já está partindo desse patamar, para onde a gente vai?”, questiona o docente.
“O segundo problema é que, se lá quando começou a segunda onda as variantes estavam circulando, talvez, em um terço das infecções, agora a gente sabe que as variantes são responsáveis por mais de dois terços, e, em alguns lugares, mais de 90% das novas infecções. E ainda há o perigo da variante da Índia. Não tem como fazer uma previsão otimista”, assinala o epidemiologista.
Por sua vez, o presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Renato Casarotti, explica que, se essa terceira onda acontecesse apenas em agosto, conforme expectativas iniciais, seria de certa forma algo para ser encarado com mais otimismo, pois, segundo ele, os “hospitais estariam um pouco mais vazios, e a população já estaria mais vacinada”.
Casarotti aponta que, neste momento, o que mais o deixa aflito é o “quão o balde está cheio”, e não o “tamanho da tempestade”.
“O que mais nos preocupa em uma potencial terceira onda é a alta taxa de ocupações dos hospitais. Na prática, para cada paciente Covid que tem alta, a gente tem um paciente não Covid entrando. Aí a pessoa fala: ‘Ah, mas tem espaço ainda’. Mas hospital não é hotel. Não pode ficar com 90% de ocupação; não pode ter o risco de o cidadão chegar e não ter vaga”, frisa.
“Mesmo que não venha um temporal de casos de Covid-19, se começa a chover com o balde cheio, a chance de derramar é maior”, complementa o presidente da Abramge, ao Metrópoles.
Dados publicados na última sexta-feira (4/6) no Boletim do Observatório Covid-19 (leia aqui) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostram que 19 estados e o Distrito Federal apresentam taxa de ocupação de leitos de UTIs superiores a 80%, nível considerado crítico, e outros seis em alerta médio.
Desse total, 11 unidades federativas (UFs) ultrapassam a trágica marca de 90% de ocupação. São elas: Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Distrito Federal, Tocantins, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
A diretora-presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), Suzana Lobo, se diz preocupada com a evolução da pandemia e também destaca a alta taxa de ocupação de leitos. Ela alerta para a “pressão pós-feriado” – na quinta-feira (3/6), foi celebrado o Corpus Christi pela igreja Católica, e várias pessoas emendaram o feriadão.
“Sempre após feriados prolongados, cerca de 10 a 14 dias depois, temos novamente a lotação das UTIs e a pressão sobre o sistema de saúde. Então, esse aumento do número de casos pós-feriados e, agora, com um agravante: o patamar de casos é alto, faltam drogas, como medicamentos analgésicos e sedativos, e o sistema já está sob grande estresse, sob grande pressão. Então, qualquer aumento pode ter um impacto muito ruim, levando à desassistência da população”, assinala a diretora-presidente da Amib.
De acordo com Suzana Lobo, os estoques de medicamentos estão em níveis bastantes críticos – apesar do “relaxamento” da pandemia – e, em várias regiões do país, são suficientes para apenas cinco dias.
“É muito preocupante que um aumento ainda maior da demanda por esses medicamentos pode agravar a falta de medicamentos na beira do leito, no cuidado dos pacientes. E há risco não só de falta de analgésicos e sedativos, mas temos também outros remédios e suplementos escassos, como antibióticos essenciais para tratar as complicações infecciosas bacterianas para quem fica longo tempo internado. Então, a situação vai ser mais frágil, porque os estoques de insumos vão ser pegos em um momento bastante crítico”, completa, ao Metrópoles.
Fonte: Metrópoles – 11/06/2021
Por Tácio Lorran
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