Artigo: O ESG como alavanca de valor para as empresas

Dados não financeiros como qualidade do time de gestão, cultura corporativa e excelência no atendimento ao cliente passaram a ter maior relevância na determinação do valor intrínseco da empresa

Nos últimos 100 anos vivemos um processo de transição de uma economia majoritariamente industrial para uma economia digital baseada no capital intelectual. Paralelamente a esse movimento, observamos um aumento significativo na relevância dos fatores intangíveis na determinação do valor das empresas.

Ativos tangíveis como máquinas, imóveis e estoques representavam 83% do valor de mercado do índice S&P 500 em 1975, proporção que caiu para apenas 10% em 2020, de acordo com a Ocean Tomo, especialista em avaliação de ativos.

Assim, dados não financeiros como a qualidade do time de gestão, a cultura corporativa, a excelência no atendimento ao cliente e a capacidade de inovar e gerenciar a cadeia de valor como um todo passaram a assumir maior relevância na determinação do valor intrínseco de uma empresa.

Com o aumento da exigência dos consumidores, funcionários, comunidades e fornecedores, a adoção de boas práticas ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança corporativa) passou a fazer parte do dia a dia das empresas e dos processos de avaliação dos investidores.

No entanto, diante da abrangência das demandas e dos riscos possíveis, é fundamental que as empresas identifiquem os temas ESG mais relevantes para o seu negócio a fim de maximizar a sua geração de valor no longo prazo.

Segundo um estudo de Mozaffar, Seraffim e Yoon, da Harvard Business School, empresas com um bom desempenho em temas materiais de sustentabilidade entregam melhores resultados financeiros a longo prazo. Já o bom desempenho em itens ESG não-materiais não afeta o resultado. A pesquisa também aponta que 80% das informações divulgadas nos relatórios de sustentabilidade das companhias são imateriais e não estão correlacionadas a um melhor desempenho financeiro.

Em 2011, diante da falta de um padrão de reporte ESG que fosse relevante para o mercado financeiro, foi criado o Sustainability Accounting Standards Board (SASB). O SASB orienta a divulgação de questões ESG específicas para cada indústria, levando em consideração a sua materialidade para o negócio, ou seja, os fatores que geram valor no longo prazo.

A definição dos temas materiais se dá por meio de pesquisas baseadas em evidências, utilização de inteligência artificial e consultas públicas. Destacamos que o conceito de materialidade é dinâmico. Nesse sentido, o SASB atualiza a matriz de tangibilidade das empresas de acordo com a evolução de tendências socioambientais e de governança, como o aumento populacional, a escassez de recursos, a urbanização, as inovações tecnológicas e as mudanças climáticas e regulatórias.

Como gestora de recursos há quase 20 anos no mercado, na Neo optamos por adotar o SASB como uma das ferramentas de referência em nossos processos de análise de investimentos. Cada time de gestão possui pelo menos um especialista certificado responsável por disseminar a cultura de análise de materialidade socioambiental e de governança em todos os seus processos de alocação.

Tomemos, como exemplo, uma empresa no setor de tecnologia. De acordo com o SASB, os temas de maior materialidade ESG para este setor são: (i) a pegada ambiental associada ao uso de data centers que consomem grande quantidade de energia e possuem sistemas de resfriamento que utilizam água; (ii) a privacidade e segurança dos dados; (iii) a capacidade de atração e retenção de talentos; e (iv) a gestão de riscos sistêmicos e de disrupção tecnológica.

Já para uma empresa que atua no setor de saúde, assumem maior relevância os seguintes temas: (i) o impacto das mudanças climáticas na saúde das pessoas e na infraestrutura, (ii) a gestão de resíduos, (iii) a qualidade dos serviços prestados, (iv) a democratização do acesso, e (v) a privacidade dos dados do paciente.

Infelizmente várias empresas seguem confundindo, de forma equivocada, o ESG como um pacote de bondades e não como uma alavanca de valor. Por isso, ao engajarmos com as companhias, independentemente de seu porte, recomendamos que elas construam a sua matriz de materialidade e que utilizem como referência o modelo do SASB, disponibilizado gratuitamente em seu site. Somente após a identificação dos temas materiais para o negócio é possível traçar um plano de médio a longo prazo com metas específicas e comunicá-lo de maneira eficiente para o mercado financeiro.

Vivemos em um momento inédito de transformação da economia e de conscientização da sociedade. As empresas que não se adaptarem às novas demandas dificilmente conseguirão se manter competitivas no longo prazo. Essa realidade se aplica para o mercado financeiro. Se não integrarmos temas materiais ESG em nossos processos de investimento, não cumpriremos o nosso dever fiduciário de mitigar nossa exposição ao risco e buscar boas oportunidades de investimento.

Sobre a autora:

Andrea Bottcher é líder de comunicação e ESG na Neo desde 2020. Com mais de 17 anos de experiência em relações com investidores, Andrea foi responsável por liderar o IPO e estruturar a área de relações com investidores da Azul. Antes de ingressar na Azul em 2011, trabalhou como líder de marketing na Johnson e Johnson e analista de comunicação e relações com investidores na Embraer. Andrea possui bacharel em economia da Carnegie Mellon University e MBA da ESADE Business School.

Fonte: O Globo – 26/10/2022

Por Andrea Bottcher

Conteúdo publicado originalmente pelo O Globo
(https://oglobo.globo.com/economia/esg/noticia/2022/10/artigo-o-esg-como-alavanca-de-valor-para-as-empresas.ghtml)