Ao estabelecer de antemão que, havendo indicação do médico assistente, nunca prevalece a negativa de cobertura pela operadora de plano de saúde, a súmula de tribunal estadual é temerária e incompatível com o contraditório e a ampla defesa.
Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão de anular acórdão toda a tramitação de um processo no Judiciário do Rio de Janeiro, que obrigava plano de saúde a arcar com transplante não previsto no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e no contrato.
Ao analisar o caso, o TJ-RJ aplicou duas súmulas próprias. A Súmula 112, segundo a qual “é nula, por abusiva, a cláusula que exclui de cobertura a órtese que integre, necessariamente, cirurgia ou procedimento coberto por plano ou seguro de saúde, tais como ‘stent’ e ‘marcapasso'”.
E a Súmula 211, que diz que, “havendo divergência entre o seguro saúde contratado e o profissional responsável pelo procedimento cirúrgico, quanto à técnica e ao material a serem empregados, a escolha cabe ao médico incumbido de sua realização”.
Para a 4ª Turma, essa definição prévia é temerária e incompatível com o contraditório e a ampla defesa. O colegiado já havia feito o mesmo com a Súmula 102 do Tribunal de Justiça de São Paulo, que define como abusiva a negativa de custeio de tratamento quando há expressa indicação médica.
Relator, o ministro Luís Felipe Salomão apontou que a resolução do caso não poderia ser automática: depende de instrução processual, que não ocorreu no caso porque, antes mesmo da aplicação das súmulas pelo TJ-RJ, o juiz de primeiro grau, “sem se dignar a instruir o processo”, tratou o relatório do médico da parte autora como se fora de perito regularmente nomeado pelo juízo.
Jurisprudência cautelosa
O posicionamento espelha a jurisprudência da 4ª Turma, ao apontar que o rol de procedimentos da ANS não é meramente exemplificativo. A matéria é motivo de divergência com a 3ª Turma, que em diversas oportunidades tem afastado a negativa das operadoras de planos de saúde.
A 4ª Turma entende, por um lado, que não cabe ao Judiciário substituir a ANS em sua atribuição legal. Por outro, diz que a estrutura administrativa do Poder Judiciário já está devidamente aparelhada com núcleos de apoio técnico em saúde, para prestar subsídio aos magistrados nessas demandas.
De fato, o pedido de custeio de prótese que não consta no contrato e no rol da ANS não foi denegado diretamente pela monocrática do ministro Salomão justamente em vista da inexistência de instrução processual.
A ordem é para que o juízo de primeiro grau, mediante requerimento de nota técnica ao Núcleo de Apoio Técnico (Nat-jus), possa aferir os fatos à luz dos preceitos de Saúde Baseada em Evidências (SBE).
Também deve levar em conta os procedimentos e materiais do rol da ANS, elucidando a questão técnica sobre a imprescindibilidade do procedimento cirúrgico, material e marca prescritos para tratamento do autor. Até agora, só houve a análise jurídica do caso.
“A uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar. A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões”, afirmou o ministro Salomão.
“Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente”, concluiu.
Fonte: Consultor Jurídico – 19/02/2021
Por Danilo Vital