RN 518: operadoras de planos de saúde têm até o fim do ano para adotar práticas de governança

RN 518 é atualização de norma anterior e, apesar das poucas modificações, impõe obrigatoriedade sobre operadoras de médio e grande porte.

Até o fim deste ano as operadoras de saúde que possuem mais de 20 mil beneficiários precisam adotar as diretrizes da Resolução Normativa nº 518 (RN 518), regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que obriga a incorporação de práticas mínimas de gestão e controles internos para mitigação de riscos. Segundo dados da ANS, existem mais de 700 operadoras de planos de saúde em atividade no Brasil, número que varia de acordo com o surgimento ou fechamento de empresas. Muitas destas falências ocorrem justamente por falhas – ou falta – de governança.

A norma é uma atualização de uma resolução anterior, a RN 443, implementada em 2019, e mostra que o tema de fato tem ganhado relevância. Isso porque as operadoras, as agências reguladoras e o próprio mercado enxergam que a boa gestão evita fechamento de planos de saúde e, consequentemente, prejuízos aos beneficiários e a própria sustentabilidade do sistema do setor.

Um levantamento do escritório de advocacia M3BS indica que metodologias adequadas de gestão de riscos possuem o potencial de diminuir em até 54% as queixas que os planos de saúde recebem e 25% das multas, além de possibilitar ganhos de 28% nos resultados e de 12% no Índice de Desempenho da Saúde Suplementar (IDSS).

Na visão de Lucas Miglioli, advogado e sócio do escritório M3BS, a ação da ANS com esses marcos regulatórios em relação à gestão da empresa se volta para uma esfera preventiva e que o maior foco neste momento da evolução regulatória é “chamar atenção das operadoras para o seguinte tripé: governança, controles internos e gestão de risco”. Para ele, “o grande benefício dessa norma é aprimorar a qualidade da gestão das operadoras e com isso garantir a sustentabilidade da própria operação e do ecossistema de saúde. É um amadurecimento do setor”.

Governança ganha força no mercado das operadoras

No ambiente empresarial brasileiro, de forma geral, há uma busca contínua pelo estabelecimento de políticas voltadas para governança corporativa e compliance por conta das alterações legislativas e do avanço do conceito de ESG (governança ambiental, social e corporativa). Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, em 2021, destacou que 56% das empresas brasileiras que faturam mais de R$ 1 bilhão possuem uma área exclusiva de compliance.

Para Marcos Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), este “é um tema que preocupa todos os setores da economia. Governança começa com transparência, com organização interna e processos. Todos os setores estão de algum modo inseridos nesse contexto e preocupados com o tema, com a saúde não é diferente”.

Quando não existem políticas mínimas de governança, uma empresa fica vulnerável a uma série de problemas, como perda de liquidez, risco de inadimplência, desequilíbrio financeiro, além de possíveis multas. Miglioli lembra que o gatilho para a regulamentação com a 443 e agora com a RN 518 da ANS foi de fato a falha de gestão:

“A ANS fez um levantamento de 119 operadoras liquidadas entre 2008 e 2012. Quando você fala ‘liquidada’ é como se ela falisse, quebrasse. Dessas 119 empresas, todas quebraram por falta ou por alguma falha de gestão. Então estava aí o problema para ser solucionado. A ANS, sendo o órgão regulador, tem que atuar para sanar as falhas de mercado, ou seja, para deixar o mercado equalizado e evitar que nesse caso de quebra ou liquidação da operadora, ela comprometa todo o sistema.”

Para o advogado, no senso comum existe uma tendência de enviesar o olhar sobre as operadoras de saúde aos grandes players desse mercado, mas ele enfatiza que o Brasil é muito grande há necessidade de uma maior maturidade no setor:

“O Brasil é um país enorme, você tem empresas muito estruturadas e empresas quase nada estruturadas. A grande maioria das empresas do país é familiar, sem nenhuma estrutura de governança, de controle de risco. Esta realidade se reflete na área de saúde também. Quando a gente pensa em plano de saúde, o que vem na nossa cabeça? Grandes empresas como Bradesco, Sulamérica, etc. Só que quando falamos nesse universo, o fato é que existem muitas empresas pequenas, então o primeiro grande desafio da ANS foi criar uma norma que pudesse ser atendida por todas essas operadoras”.

Mesmo sendo abrangente, o superintendente da Abramge lembra que “em um setor em que se tem em torno de mil operadoras de saúde, claramente teremos algumas mais avançadas e outras menos”. Nesse sentido, ele aponta que muitas operadoras estão correndo contra o tempo para alcançar os prazos regulatórios da RN 518, mas que “há uma preocupação sobre a adoção por parte das pequenas e médias operadoras. Até 20.000 vidas ainda não é obrigatório, mas a que possui de 20.000 para 100.000 vidas passa a possuir essa obrigatoriedade e muitas vezes uma operadora de 21.000 vidas, por exemplo, ainda apresenta um porte pequeno”.

Marcos Novais ressalta que a norma anterior, a RN 443, havia surgido como um incentivo para adoção das normas de governança e que a RN 518, com pequenas atualizações, agora impõe uma obrigatoriedade sobre as operadoras de médio e grande porte:

“Algumas operadoras já tinham começado a avançar seja porque foram para a bolsa de valores, porque tinham perspectiva de ir ou porque possuíam uma meta estratégica de alcançar governança. O órgão regulador, olhando para o tema e vendo a importância dele, resolveu fazer uma norma estimulada no primeiro momento. A 443 veio como estímulo no sentido de que aqueles que adotassem antecipadamente governança corporativa teriam um benefício do ponto de vista de constituição de mais solvência, capital baseado em risco e assim uma redução dos riscos do dia a dia por conta da adoção de processos bem delineados […] agora, na verdade, existe um desafio grande porque passa a ser obrigatório”.

RN 518 impacta margem de solvência

Miglioli explica que as operadoras de saúde, da mesma maneira que empresas do sistema financeiro, precisam de uma reserva técnica para garantir o cumprimento de suas obrigações. No passado, esse cálculo, denominado margem de solvência, não considerava a gestão da operadora, o que importava era a quantidade de beneficiários.

Com a evolução normativa há um olhar para o tipo e o tamanho do risco ao qual as operações estão expostas, de maneira que, quanto menor o risco, menor o valor financeiro a ser depositado na reserva técnica, o que se torna relevante, uma vez que esse valor provém da liquidez da empresa.

“Se antes a gente tinha o ‘capital baseado na quantidade de beneficiários’ igual para todas as operadoras, agora não, ele está baseado no risco. O olhar se direciona para os controles internos e a gestão de risco, o que está diretamente ligado ao tripé da RN 518. Quanto mais organizada a empresa estiver, menor o risco. Ela pode deixar menos capital parado, porque a própria operação se sustenta”, explica o advogado da M3BS.

Além disso, Marcos Novais, da Abramge, acrescenta que, do ponto de vista de benefícios para operadora, há dois principais: “Os processos internos bem organizados ajudam muito na manutenção e sustentabilidade da operadora ao longo do tempo; e, segundo, acaba sendo excluída aquela que não faz parte do grupo em que há um compromisso com a gestão em relação a sustentabilidade e as melhores práticas. Isso fica sinalizado para futuros investidores e para os consumidores de planos de saúde”.

Para Miglioli, da M3BS, “a tendência é ficar cada vez mais rígida a demonstração de controles internos e a exposição a risco para que a empresa demonstre cada vez mais efetivamente que tem o controle da sua gestão, da sua operação.” Já o superintendente executivo da Abramge aponta que a RN 518 dispõe de uma boa maturidade e que os aprimoramentos futuros devem ocorrer em outro sentido:

“A norma já está em um nível de maturidade importante, até porque a RN 518 é editada quatro anos depois [da RN 443] e não há quase nenhuma grande alteração […] Eu não vejo grandes necessidade de aprimoramento pela frente, acho que o que precisamos fazer e é um desafio sempre é, ao invés de trabalharmos para uma mudança de norma, aprimorarmos os nossos processos internos para o cumprimento dela”.

Fonte: Futuro da Saúde – 30/11/2022

Por Paola Costa

Conteúdo publicado originalmente pelo Futuro da Saúde
(https://futurodasaude.com.br/rn-518-governanca-das-operadoras/)