Planos de saúde: mudança em regra da ANS evita que mais de 60 operadoras fiquem sob fiscalização

Entre as 693 operadoras, 40% fecharam o primeiro trimestre no vermelho. Esse grupo atende um terço dos beneficiários da saúde suplementar no país, segundo FenaSaúde

Uma mudança anunciada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pode evitar que mais de 60 empresas de planos de saúde sejam enquadradas no regime de direção fiscal por falta de capital para cumprir exigências da ANS.

Neste modelo, um representante da agência fiscaliza as contas e as medidas propostas pela operadora para sanear sua situação. Ele não tem poder de gestão, mas o acompanhamento se estende por 365 dias, podendo ser renovado.

A medida é adotada para impedir que desequilíbrios financeiro e administrativo coloquem em risco a assistência aos usuários. Hoje, há 25 empresas em direção fiscal.

O pano de fundo da mudança de regra da ANS é que 40% das 693 operadoras fecharam o primeiro semestre no vermelho: as receitas foram insuficientes para cobrir despesas assistenciais, comerciais e administrativas. O grupo atende um terço dos beneficiários da saúde suplementar no país, segundo a FenaSaúde, entidade representativa do setor.

Uma semana após o primeiro prejuízo semestral do segmento, de R$ 691,6 milhões, a ANS anunciou uma flexibilização nas regras de avaliação econômico-financeira das operadoras. Isso vai representar redução equivalente a R$ 11,8 bilhões nas reservas das operadoras para casos de falência, como antecipou o “Valor”, além da liberação financeira de outros R$ 6 bilhões.

— É uma modernização, que acompanha o padrão internacional e já estava em curso. Não será implementada por causa da crise. Mas, se à luz da nova regulamentação essas empresas estarão enquadradas no padrão da norma que entrará em vigor, não faz sentido abrir processos (de direção fiscal) agora se logo serão extintos — diz Paulo Rebello, presidente da ANS.

Análise individual de risco

A agência está antecipando uma mudança no cálculo do capital regulatório, ou patrimônio líquido mínimo, que as empresas do setor devem ter. A partir de janeiro de 2023, o modelo será de Capital Baseado em Riscos, que considera diferentes fatores, em estudo desde 2019, diz a agência.

Com a norma, a partir de janeiro, operadoras com reservas de capital acima do exigido poderiam ter acesso a uma parte dos recursos, mas a operacionalização é considerada “complicada” por técnicos, pois requer mudança no contrato da empresa. Nas companhias abertas, exige aprovação dos acionistas; nas cooperativas, dos cooperados.

Por isso, entende-se que a medida beneficia mais diretamente operadoras que estavam em dificuldade de cumprir a exigência de capital e agora passam a estar enquadradas pela nova norma, sem necessidade de aporte.

Para Paula Las Heras, sócia do escritório LLH Advogados, a decisão da ANS é correta.

— Em direção fiscal, a empresa fica sob rígida auditoria, perde fôlego. Tirar as empresas desse enquadramento de insolvência no momento é um benefício. Com o novo índice será possível fazer uma análise individualizada do risco de cada empresa. Isso ajuda sobretudo as pequenas e pode abrir caminho para que mais pessoas tenham plano de saúde.

Com crescimento no total de beneficiários desde julho de 2020 — a expectativa é chegar aos 50 milhões em outubro —, a receita dos planos tem “andado de lado”. Uma das razões é a redução do valor das mensalidades dos planos individuais em 2021, reflexo da redução de procedimentos no auge da pandemia, o que puxou reajustes menores de contratos coletivos.

Além disso, os consumidores vêm trocando seus planos por outros mais baratos.

— Houve redução de 8% das mensalidades dos planos individuais em 2021. Agora, o aumento de 15% ajuda a equalizar essa perda. Nos 300 mil contratos coletivos, o percentual de reajuste mais visto foi zero, o que se refletiu até o início do ano. Essas mensalidades começam a se recompor agora — diz Marcos Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).

Um ponto de atenção é o percentual de gasto da receita da operadora com a assistência dos beneficiários, a chamada taxa de sinistralidade, que beira os 89%, num dos maiores patamares da história.

— Houve estagnação na receita e crescimento nas despesas no primeiro semestre, no maior índice dos últimos tempos. Observamos se esse cenário é reflexo de represamento de procedimentos durante a Covid, se a sinistralidade vai cair. Ainda há o efeito dos reajustes aplicados este ano, que deve ser mais percebido neste semestre. Precisamos esperar o próximo trimestre para avaliar melhor, mas não vemos risco sistêmico — diz Rebello.

Para Rita Ragazzi, sócia-diretora de Saúde e Ciências da Vida da KPMG no Brasil, custos não cairão no curto prazo:

— Há um repique de demanda pós-pandemia. E tratamentos foram postergados, se tornando mais custosos. Houve alta no preço dos insumos. Nada disso deve baixar no curto prazo. Mas consolidação de operações, melhoria em gestão e tecnologia podem ajudar.

Nos bastidores, as empresas pedem a liberação de provisões exigidas como garantia de procedimentos assistenciais ao consumidor, como no início da pandemia. Mas isso não é considerado uma boa solução por especialistas. O presidente da ANS diz que nada será feito de forma “açodada”.

Fonte: O Globo – 24/09/2022

Por Luciana Casemiro e Glauce Cavalcanti

Conteúdo publicado originalmente pelO Globo
(https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/noticia/2022/09/planos-de-saude-mudanca-em-regra-da-ans-evita-que-mais-de-60-operadoras-fiquem-sob-fiscalizacao.ghtml)