Piso suspenso

Remuneração da enfermagem para no STF, mas problema foi criado pelo Congresso

Centenas de categorias profissionais contam com um piso salarial, definido por leis ou por instrumentos de negociação coletiva. A concessão de um piso nacional para a enfermagem, porém, transformou-se numa crise, que caiu no colo do Supremo Tribunal Federal.

Pelo projeto de lei aprovado pelo Congresso, sancionado pelo presidente e agora suspenso pelo STF, a remuneração mensal mínima de enfermeiros passa a ser de R$ 4.750. Técnicos em enfermagem devem receber 70% desse montante; auxiliares e parteiras, 50%.

Os valores podem não ser astronômicos, mas fala-se de centenas de milhares de profissionais em um setor bastante heterogêneo, que inclui desde caríssimas clínicas de estética até as sempre deficitárias Santas Casas.

Administradores públicos e o setor patronal apontam um cenário alarmante, caso o piso venha de fato a vigorar sem compensações. A Confederação Nacional de Municípios calcula um impacto de R$ 10,5 bilhões ao ano só nas prefeituras.

A Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas estima um aumento de custos da ordem de R$ 6,3 bilhões anuais em sua seara. Todos falam em demitir, fechar leitos e reduzir programas.

Contas de partes interessadas precisam sempre ser recebidas com alguma cautela, mas não resta muita dúvida de que a saúde pública, já subfinanciada, não tem condições de arcar com um forte e repentino aumento de salários.

A principal causa do impasse é a irresponsabilidade do Congresso Nacional. Nas negociações em torno do projeto, havia sido acordado que os parlamentares encontrariam uma fonte de financiamento para o piso. Eles não o fizeram, e a proposta avançou mesmo assim.

O governo Jair Bolsonaro (PL), que deveria ter se antecipado ao problema, também lavou as mãos, e o que deveria ser uma questão trabalhista se tornou um embate político e orçamentário que o Supremo agora tenta resolver.

Talvez seja a opção realista no momento, mas não caberia à corte máxima do país atuar como uma junta de conciliação. Seu papel deveria ser apenas o de dizer se a lei é ou não constitucional.

Fala-se em ampliar as desonerações para o setor hospitalar ou em reajustar a tabela do SUS para a remuneração de procedimentos, entre outras possíveis soluções. Cada uma delas tem suas vantagens e desvantagens, mas todas exercem um impacto importante e inevitável no Orçamento da União.

Esse nem seria um problema tão grave se o Congresso fosse capaz de cortar outras despesas e subsídios pouco eficazes. Entretanto faltam lideranças dispostas a enfrentar interesses de grupos influentes.

Fonte: Folha de S. Paulo – 16/09/2022

Conteúdo publicado originalmente pela Folha de S. Paulo
(https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/09/piso-suspenso.shtml)