Supremo fez bem em suspender a nova lei até que se analisem seus impactos nos setores público e privado
No afã de conquistar votos, o governo e o Congresso se lançaram com sofreguidão a uma fúria legiferante sem paralelo na História recente. Nunca se aprovaram tantas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) quanto no primeiro semestre deste ano. E não ficou por aí. A maratona legislativa trouxe agrados a toda sorte de público em que o presidente Jair Bolsonaro e seus aliados do Centrão viam perspectiva eleitoral, como beneficiários de programas sociais, taxistas ou caminhoneiros.
Na negociação para obter apoio da oposição à PEC Eleitoral, cujas medidas estouravam o teto de gastos, as lideranças da Câmara e do Senado aceitaram a demanda para agradar outro público. Aceleraram a aprovação de uma lei que estabelece o piso salarial de R$ 4.750 para enfermeiros em todo o país (além de 70% disso para técnicos em enfermagem e 50% para auxiliares e parteiras). De acordo com um estudo da Câmara, a medida afeta 1,3 milhão de profissionais. Entidades sindicais estimam que 54% dos enfermeiros, 82% dos técnicos e 52% dos auxiliares recebem abaixo desse piso.
O argumento de oferecer “remuneração justa” a profissionais que ganharam destaque pela atuação recente na pandemia bastou para seduzir parlamentares ávidos por votos às vésperas da eleição. Infelizmente, eles se esqueceram de dizer de onde sairia o dinheiro. A medida tem impacto tanto nos cofres públicos quanto nas empresas do setor de saúde. No caso do dinheiro público, a obrigação legal de apontar a origem dos recursos orçamentários não foi cumprida pelo Congresso. Criou-se apenas um remendo para abrir espaço nas contas deste ano.
A Confederação Nacional dos Municípios estima que o novo piso acarretará despesas adicionais de R$ 9,4 bilhões apenas às prefeituras (elas empregam cerca de metade dos profissionais afetados). Associações das empresas de saúde foram em romaria ao Supremo Tribunal Federal (STF) recorrer da medida, que de uma hora para outra desequilibrou seus orçamentos, trazendo o risco iminente de cortes, demissões e deterioração nos serviços.
O ministro Luís Roberto Barroso teve o bom senso de emitir uma liminar suspendendo a aplicação da lei por 60 dias, até que Câmara e Senado resolvam as duas questões essenciais: 1) de onde sairá o dinheiro para arcar com o custo dos reajustes no setor público; 2) qual o plano para evitar, no setor privado, a quebradeira, ondas de demissão e consequente prejuízo à saúde da população em virtude dos reajustes.
Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), saíram em defesa da lei aprovada. Pura demagogia, resultante da percepção comum entre os parlamentares de que recursos brotam por geração espontânea. Enquanto distribuía bondades com dinheiro dos outros — em especial dos contribuintes — para ganhar votos, subvertendo a um só tempo as regras fiscais e o equilíbrio de mercado, o Congresso mais uma vez empurrava com a barriga reformas essenciais ao ambiente de negócios, como a administrativa e a tributária. Elas é que trariam maior produtividade à economia, permitindo mais crescimento, com reajustes e ganhos na qualidade de trabalho, não apenas ao setor de enfermagem, mas a todas as categorias profissionais.
Fonte: O Globo – 06/09/2022
Conteúdo publicado originalmente pelo O Globo
(https://oglobo.globo.com/opiniao/editorial/coluna/2022/09/piso-da-enfermagem-exige-que-se-aponte-fonte-dos-recursos.ghtml)
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