O modelo de planos de saúde verticalizados, em que as operadoras têm sua própria rede hospitalar, tem ganhado cada vez mais espaço no debate sobre o presente e o futuro do setor. Apesar disso, é importante esclarecer que esse modelo não é novo. No Brasil, ele surgiu ainda na década de 60, com as primeiras empresas de medicina de grupo, que hoje respondem pela atenção à saúde de 19,4 milhões de beneficiários.
A principal crítica feita ao modelo atualmente é de que ele promove a subutilização ou a entrega insuficiente de cuidado em prol de uma redução agressiva dos custos e aumento da lucratividade. É certo que modelos de cuidado diferentes podem incentivar comportamentos. Mas, nesse sentido, mais importante do que o modelo em si são os gestores que o operam. Ao fim e ao cabo, são eles que tomam as decisões.
Da mesma forma que tenho plena convicção de que não é prática comum dos planos de saúde verticalizados precarizar tratamento aos seus beneficiários, nunca comprei a narrativa fácil e superficial de que hospitais de mercado são fábricas de internações e cirurgias desnecessárias. Desvios de conduta e infrações são praticados em todos os modelos, sem sombra de dúvida, mas são a exceção, e não a regra. Precisam ser apurados e punidos com rigor e responsabilidade.
É importante lembrar também que o fortalecimento do modelo verticalizado está diretamente ligado à necessidade de redução de desperdícios, ganho de eficiência e ampliação de acesso. Quando bem desenhado e executado, o modelo verticalizado promove uma integração maior entre os locais de atendimento nos diferentes níveis de complexidade, permitindo um alinhamento do cuidado focado na eficiência, qualidade e segurança do beneficiário, além de reduzir seu sentimento de desorientação dentro do sistema.
Uma referência mundial em verticalização, a Kaiser Permanente (KP), é parceira da Universidade Corporativa Abramge (UCA) e um dos maiores planos de saúde dos Estados Unidos, com mais de 12 milhões de associados, operando 39 hospitais e mais de 700 consultórios médicos, com cerca de 300 mil colaboradores, incluindo mais de 80 mil médicos e enfermeiras. A qualidade do atendimento da KP é amplamente reconhecida e atribuída a uma forte ênfase na jornada do paciente e coordenação do cuidado, como tentativa de minimizar o tempo que os pacientes passam em hospitais.
No Brasil, levantamento da Abramge mostra que o investimento das operadoras em redes hospitalares superou os R$ 4 bilhões entre julho de 2020 e junho de 2021. O montante é mais que o dobro do que foi investido nos 12 meses anteriores (R$ 1,7 bilhão) e representa crescimento de 18,5% do saldo de ativos verticalizados das empresas de saúde, que chega a R$ 26,2 bilhões. A expansão foi impulsionada pela pandemia, que exigiu a ampliação de leitos para internação. Em 2020, as 244 empresas dessa modalidade realizaram mais de 77,2 milhões de consultas, 248,8 milhões de exames e 2 milhões de internações em âmbito nacional. Grande parte em sua rede própria, que precisou expandir suas estruturas hospitalares e seus serviços em 21,1% para manter os cuidados médicos de seus beneficiários.
Do ponto de vista da prática assistencial, a Abramge defende, como não poderia ser diferente, a autonomia dos médicos no diagnóstico e tratamento de enfermidades. Esse é um princípio basilar da medicina, que deve ser respeitado e protegido. Cumpre esclarecer, contudo, que a autonomia dos médicos não reduz a importância do desenvolvimento e aprimoramento de protocolos clínicos, que não existem somente nos hospitais verticalizados, mas em praticamente todos os centros de excelência em saúde no Brasil e no mundo. Desde que sejam desenhados por profissionais de saúde competentes e frutos de um debate técnico amplo e aprofundado, buscando o melhor roteiro terapêutico para os pacientes, os protocolos ajudam a padronizar tratamentos e a garantir maior consistência do cuidado assistencial, melhorando os desfechos clínicos e entregando mais valor em saúde. Não podemos reforçar a visão equivocada de que a existência de protocolos clínicos interfere ou prejudica a autonomia dos médicos. Eles não são excludentes, são complementares.
Por sinal, a busca pela melhor alocação dos recursos e geração de mais valor em saúde, ampliando o acesso, não é exclusiva do modelo verticalizado de planos de saúde. É unânime a busca por novos modelos de remuneração de prestadores com enfoque em desfechos clínicos e na geração de valor em saúde; e não apenas no volume de procedimentos realizados. Ainda não chegamos ao ponto em que gostaríamos e precisamos como sistema de saúde, mas há alguns modelos já implementados por operadoras de planos de saúde e grupos de hospitais que representam um avanço e certamente inspirarão a evolução do mercado como um todo.
Enfim, não há modelo certo ou errado. Eles são diferentes, com suas vantagens e pontos a serem melhorados. Precisam ser revisados e aprimorados constantemente. Mas não podemos tomar o todo pela parte. Simplificações retóricas e generalizações indiscriminadas são perigosas e estão na raiz de várias injustiças cometidas mundo afora e da farta tradição brasileira de casuísmos normativos.
Fonte: O Globo – 20/10/2021
Por Renato Casarotti*
*Presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
Conteúdo publicado originalmente no O Globo
(https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/importancia-de-entender-verticalizacao-em-saude.html)
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