As novas tecnologias contribuem ainda para avanços nos estudos em genética e na realização de cirurgias robóticas
Aulas remotas; cadastros em vários sites de e-commerce; lives de shows e palestras. Com a chegada da pandemia, tudo ficou digital – inclusive o acesso à saúde. A diferença é que estudar, comprar e se divertir online já era permitido. No caso da medicina, entretanto, a teleconsulta era algo autorizado apenas em algumas situações. Isso mudou em março de 2020, quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) ampliou suas possibilidades de uso.
A medida, atualmente tida como excepcional, deve se tornar definitiva. E é apenas uma pequena amostra dos impactos da tecnologia nos diferentes elos da cadeia de prestação de serviços de saúde. Hoje, ela direciona o desenvolvimento de medicamentos personalizados; permite pesquisas genéticas que, antes, não seriam possíveis; e sinaliza para um futuro com uso crescente de cirurgias robóticas.
Quanto às teleconsultas, a regulamentação deve ser um percurso natural. Entretanto, alguns pontos de atenção são colocados no que se refere à formação dos médicos – para o uso adequado das ferramentas e a qualidade da consulta – e às garantias de privacidade de dados e de segurança da informação pelas plataformas.
Esse instrumental tecnológico progride constantemente. Ricardo Salem, diretor de Saúde da Care Plus, conta que já é possível até mesmo o exame físico em uma teleconsulta. “O paciente coloca o estetoscópio digital sobre o local adequado e o médico pode auscultar o coração e o pulmão. Existe também uma manta com que você cobre o paciente e, a quilômetros de distância, o médico pode fazer a compressão dessa manta e o paciente vai sentir (o toque).”
Isso tudo não significa, porém, abrir mão das consultas presenciais. O cenário indica um modelo híbrido. Se, no atendimento olho no olho, há mais possibilidade de criação de vínculos, o retorno para visualizar resultados de exames pode ser feito remotamente.
Cirurgia robótica exige treinamento e capacitação
Os bons resultados de um procedimento médico mediado pela tecnologia são evidentes nas cirurgias robóticas, intervenção que exige o que a maior parte das técnicas não estabelece: a obrigação de treinamento e capacitação. “A robótica trouxe a importância da certificação. Existe um ditado sobre a cirurgia aberta (a convencional), de que a primeira você vê, a segunda você faz, e a terceira você ensina”, brinca o urologista Carlo Passerotti, coordenador do Centro Especializado de Cirurgia Robótica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “Isso não acontece na robótica. É um avanço na regulamentação.”
A cirurgia de próstata é o exemplo mais comum de uso da robótica. Passerotti explica que a chance de cura é a mesma em relação à cirurgia convencional, mas que as vantagens estão no pós-operatório. A dor é menor; sangra um terço menos do que com a técnica tradicional; a sonda é usada por menos tempo; e a alta médica costuma ocorrer no primeiro ou segundo dia (contra os três ou quatro dias habituais de hospitalização).
O desafio está em aumentar o acesso a esse procedimento, principalmente nos serviços públicos, e em sua execução a distância. “Hoje, com o avanço do 5G, nós acreditamos que podemos desenvolver tecnologia para levar essas plataformas a lugares onde cirurgiões e pacientes não conseguem ter esse tipo de cuidado”, afirma Nam Jin Kim, gerente médico do Programa de Cirurgia e Cirurgia Robótica do Hospital Israelita Albert Einstein.
Avanços da tecnologia auxiliam cientistas
No contexto de pandemia, os avanços tecnológicos também têm ajudado os pesquisadores a trazer respostas para perguntas intrigantes. Por que, em alguns casais, um deles contrai covid e o outro, mesmo com contato próximo, não é infectado? Ou um questionamento ainda mais inusitado: por que alguns centenários, entre eles uma senhora de 114 anos, manifestam apenas sintomas leves da doença?
“Hoje, com as novas tecnologias, a gente consegue, no laboratório, a partir do sangue, fazer linhagens celulares desses centenários para estudar, primeiro, como são as células dessas pessoas que conseguem resistir ao vírus. Depois, vamos infectar essas linhagens com o SARS-CoV 2 para ver como é que resistiram. Será que o vírus não penetra nas células ou ele penetra e o sistema imune consegue responder rapidamente?”, conta Mayana Zatz, professora titular de Genética do Instituto de Biociências da USP. “Essas pessoas devem ter o que a gente chama de ‘genes de resistência’, que aguentam qualquer desaforo, até uma covid-19.”
Maioria da população confia na efetividade das vacinas
Sem esses “genes de resistência”, a imensa maioria dos humanos precisa que ciência e tecnologia caminhem juntas e rápido para que se alcance o ponto em que “a pandemia vire apenas uma endemia”, como afirma o pneumologista Vin Gupta, professor do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde e cientista sênior da Amazon. “Nós não vamos erradicar a covid; é impossível. Todo vírus respiratório que é tão contagioso quanto esse vai continuar infectando as pessoas. Assim como a gripe e o resfriado, vamos ter de conviver com a covid. Mas, se tivermos uma alta taxa de vacinação, as pessoas não vão precisar ser hospitalizadas, terão formas leves da doença.”
Os dados da pesquisa O Futuro da Imunização na Era Pós-pandemia – realizada pela Offerwise e cujos resultados foram apresentados no Summit Saúde 2021 – mostram que a grande maioria da população brasileira confia na ciência e na efetividade das vacinas.
O levantamento, que ouviu 1.500 brasileiros com idades a partir de 16 anos das classes A, B e C, mostra que 97% da população costuma se vacinar. Em relação às vacinas contra covid, 88% confiam nos imunizantes, 6% não confiam e 5% confiam, mas têm dúvidas. Entre os motivos para a desconfiança na eficácia está o ritmo acelerado de produção das vacinas, que teriam tido pouco tempo de estudo.
De fato, as vacinas ficaram prontas em tempo recorde. E, assim como os avanços na telemedicina e no uso da robótica, essa aceleração na descoberta e no desenvolvimento de imunizantes veio para ficar. A opinião é de Márjori Dulcine, diretora médica da Pfizer – farmacêutica que levou oito meses para desenvolver a vacina contra covid-19. “Todas as etapas necessárias para um programa de desenvolvimento clínico foram mantidas. O que aconteceu foi o desafio de fazer isso de forma acelerada e, por isso, algumas etapas foram realizadas de forma concomitante”, explica Márjori.
Reorganizar os processos, no entanto, não foi um desafio apenas das empresas farmacêuticas. “As agências regulatórias do mundo todo também tiveram de se adaptar a esse momento e repensar os seus processos e os tempos, porque a humanidade exigiu. Isso também veio para ficar e faz parte desse processo de melhorar a jornada do paciente graças à tecnologia”, diz ela.
Qual é o futuro das vacinas para covid-19?
Atualmente, os estudos em andamento buscam mapear qual vacina daria o melhor reforço de imunidade, não só pelo aumento do número de anticorpos, mas também pela duração do fator protetivo. “Alguns trabalhos pré-clínicos mostram que uma vacina de vetor viral, seja ela qual for, com um booster (dose de reforço) de uma vacina de proteínas mostra resultados excelentes”, afirma Sue Ann Costa Clemens, professora de Saúde Global na Universidade de Oxford e coordenadora dos testes da Clover no Brasil. A Clover é uma vacina recombinante da proteína S do SARS-CoV-2 que mostrou 100% de eficácia contra casos graves e hospitalização para qualquer cepa circulante do novo coronavírus.
Fonte: O Estado de S.Paulo – 30/10/2021
Por Alex Gomes e Ocimara Balmant
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