Recomendação final sobre limiares de custo-efetividade foi publicada e passa a valer para a avaliação de tecnologias no SUS
A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) publicou no domingo, 6, as recomendações finais sobre o uso de limiares de custo-efetividade para a inclusão de medicamentos, exames e terapias no Sistema Únicos de Saúde (SUS). Dessa forma, os técnicos que realizam Avaliações de Tecnologias em Saúde passam a usar como referencial os valores e diretrizes propostos no documento.
A publicação final tem como base o que foi aprovado na 112ª reunião da Conitec, que ocorreu em 31 agosto, quando membros discutiram tópicos que foram questionados ou sugeridos através de consulta e audiência pública. À época, entidades de pacientes e da indústria teceram críticas ao modo como a discussão ocorreu, com poucas oportunidades de diálogo, de acordo com representantes.
Dentre as recomendações finais, estão:
– Adoção do valor-referência de 40 mil reais por anos de vida ajustados pela qualidade (QALY), equivalente a 1 PIB per capita;
– Utilização de 3 vezes o valor-referência em casos específicos (doenças raras com redução importante de sobrevida ajustada pela qualidade; doença acometendo crianças e com redução importante de sobrevida ajustada pela qualidade; doença grave e doença endêmica em populações de baixa renda com poucas alternativas terapêuticas disponíveis);
– Definições de “redução importante de sobrevida ajustada pela qualidade” e de “doença grave” serão realizadas por avaliação qualitativa dos membros da Conitec;
– Atualização do valor-referência de acordo com PIB per capita;
– A utilização de “Anos de Vida Ganhos” quando o QALY não for considerado ideal, com valor-referência de 35 mil reais;
– Tecnologias gênicas, curativas e tecnologias para doenças ultrarraras não estão incluídas na regulamentação.
O documento possui mais de 100 páginas e esclarece pontos que foram questionados pela sociedade e são defendidos pela Comissão para endossar as recomendações, como a utilização do valor de 1 PIB per capita por QALY como referência. Também consta a trajetória do tema dentro da Conitec, com uma primeira oficina realizada em março de 2020 e que contou com a participação de técnicos, especialistas e membros do plenário.
Debate sobre as recomendações finais sobre o uso de limiares
Especialistas em Avaliação de Tecnologia em Saúde apontaram ao longo do processo que ter um referencial inicial era importante, porque até o momento o Brasil não possui qualquer valor definido e que embasasse as avaliações. Ainda, é considerado um importante critério para manter as analises de custo-efetividade, sem perder a sustentabilidade do setor de vista.
“É uma publicação bem importante, uma decisão que esperamos que vai ajudar muito na negociação de preços para os Ministérios. Basicamente, os medicamentos são avaliados pelos beneficíos a mais que trazem e quanto custam a mais. Para interpretar esse valor, esse limiar é o valor-referência de interpretação”, afirma Marisa Santos, coordenadora do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS-INC), que participou da elaboração do documento.
Apesar de ser uma importante ferramenta para a análise e inclusão de novas tecnologias, além de atender a lei 14.313 de 2022, que cobra a regulamentação e divulgação dos critérios utilizados para a avaliação econômica de medicamentos, a recomendação da Conitec recebeu críticas durante o processo de elaboração. De acordo com diferentes representantes da saúde, não houve o devido debate com a sociedade, e as participações surtiram pouco efeito prático. Agora, após a publicação das recomendações finais, as críticas permanecem.
Em nota, Eduardo Calderari, presidente-executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), avalia que “não devemos seguir com qualquer recomendação sobre o tema sem a participação efetiva dos outros atores da cadeia — sociedade, classe médica, indústria farmacêutica etc. A metodologia para o uso de limiares de custo-efetividade precisa ser mais clara e bem estruturada para não aumentar a desigualdade no acesso e prejudicar ainda mais a população brasileira”.
Em sua primeira análise, o advogado Tiago Farina Matos, especialista em direito sanitário e advocacy em saúde, avalia que “pouquíssimo” foi aproveitado das contribuições apresentadas pela sociedade: “Foram muitas contribuições de fôlego, bem robustas. Podiam ter sido mais debatidas”. Outro ponto destacado por ele é que as pessoas que analisaram a consulta pública não deveriam ter sido as mesmas que fizeram o documento inicial: “Há um viés de confirmação que poderia ter sido mitigado se um grupo preparasse o primeiro relatório e outro grupo de pesquisadores trabalhasse no segundo (pós participação social)”.
Preocupações com o acesso desde a consulta pública
Familiares e entidades ligadas a pacientes com doenças raras também se posicionaram. Em sua página no Linkedin, Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira, fundadora e diretora executiva no Unidos pela Vida, instituição que defende a atenção à fibrose cística, disse que o limiar alternativo de 3 PIB per capita para doenças raras tornará o cenário “impossível” e questionou se as audiências ou consultas de fato foram utilizadas:
“Na audiência pública sobre o tema, ninguém foi significativamente ouvido — e a sensação é coletiva. Na consulta pública, as contribuições não foram coerentemente consideradas — e é a impressão de muitos colegas, também. O ‘esperado’ resultado, inclusive, foi falado em eventos oficiais antes mesmo da finalização do processo. Ou seja…o resto todo era pró-forma? A decisão foi tomada antes de ouvir a sociedade? Aliás, ela foi ouvida, de fato?”.
À época da consulta pública outras associações também alertaram que o valor-referência de 1 a 3 PIB pode acabar excluindo tratamentos e deixando parte da população desassistida. A Associação Brasileira de Talassemia afirmou que “especialistas apontam que o caráter discriminatório das métricas empregadas em análises de custo-efetividade, representado pelo QALY, traz sérias implicações para pacientes oncológicos e com doenças raras, além de outros grupos, como os deficientes e idosos, violando o direito à equidade”.
A AstraZeneca também se posicionou na consulta pública, afirmando que o valor-referência de 1 a 3 PIB per capita é baixo, e que dificilmente haverá medicamentos para doenças raras e oncológicas que atendam esses critérios, ficando de fora do SUS. “Sugerimos que esse valor seja reavaliado, considerando a taxa de paridade do poder de compra, onde para equiparar-se aos países citados no relatório teríamos que multiplicar os limiares mínimo e máximo sugeridos, por um fator de 3”, defendeu a empresa.
Fonte: Futuro da Saúde – 07/11/2022
Por Rafael Machado
Conteúdo publicado originalmente pelo Futuro da Saúde
(https://futurodasaude.com.br/recomendacoes-finais-sobre-o-uso-de-limiares/)