Médicos e laboratórios farmacêuticos: entenda o que deverá mudar em breve nessa relação conflituosa

Ministério da Saúde avalia editar Medida Provisória que obriga empresas a divulgarem benefícios concedidos a profissionais e proíbe incentivos sob a condição de que medicamentos sejam prescritos

O Ministério da Saúde quer editar uma Medida Provisória (MP) com normas para dar mais transparência à relação entre médicos e laboratórios farmacêuticos no país. A intenção é minimizar possíveis conflitos de interesses que interfiram na atuação dos profissionais. A ideia foi vista como positiva por parlamentares, que acreditam na publicidade desse tipo de contato como forma de se dissipar suspeitas de eventuais irregularidades.

Segundo minuta do texto obtida pelo GLOBO, as empresas deverão divulgar em seus sites quaisquer benefícios concedidos a médicos.A proposta, que ainda pode sofrer alterações, também as proíbe de dar incentivos sob a condição de que determinados medicamentos sejam prescritos aos pacientes.

Deputados e senadores ouvidos pelo GLOBO defendem a abertura de um debate público sobre o tema com a sociedade e associações dos setores — como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB). Já as farmacêuticas avaliam que um decreto ou até mesmo uma regulamentação própria seria o ideal. o que valeria imediatamente e só então passaria pelo crivo do Congresso.

A pasta, no entanto, não bateu o martelo: a medida pode vir, por exemplo, na forma de decreto ou de portaria. Interlocutores da pasta dizem que a medida deve sair “em breve”, mas ainda não há data definida justamente porque o formato ainda está em avaliação.

— Transparência é sempre importante. Só não acho que tenha necessidade de fazer por MP. O governo deveria enviar um projeto de lei, chamar as entidades médicas e discutir com o CFM, a AMB — afirma o deputado Dr. Luizinho (PP-RJ), que é médico e chegou a ser cotado para assumir o Ministério da Saúde após a queda de Eduardo Pazuello, no ano passado. — Esse assunto precisa ter maturidade para ser discutido. Mesmo que o governo faça um decreto, deveria debater com a sociedade — completa.

Para a deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA), que tem formação como farmacêutica e bioquímica, a medida é positiva, mas é preciso evitar que uma norma muito rígida impeça a participação de profissionais da saúde em estudos ou congressos financiadas pela iniciativa privada.

— É necessário verificar o texto para ele não ser uma medida que venha a impedir relações técnico-científicas, porque uma coisa é a promiscuidade de uma relação cruzada entre um prescritor e uma indústria (farmacêutica) ou o comércio varejista. Outra é estímulo a congressos, a desenvolvimento de pesquisas. Isso é outra coisa, que uma empresa privada pode participar dentro da legislação, com convênios com instituições e fundações públicas para o desenvolvimento de fármacos e para pesquisas.

Segundo o documento, profissionais não podem atuar “com interação ou dependência de farmácia, indústria farmacêutica, óptica ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização de produtos de prescrição médica”. Além disso, também proíbe a “comercialização de medicamentos, órteses, próteses ou implantes de qualquer natureza, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional”.

— É necessário se aplicar um escudo protetivo a relações técnico-científicas lícitas. Infelizmente, esse governo é negacionista, então vamos ter que saber definir o limite da garantia ética contra relações cruzadas e a possibilidade de relações técnico-científicas em benefício da saúde — completa a deputada.

Segundo parlamentares ouvidos pelo GLOBO, atualmente não há propostas semelhantes em tramitação no Congresso. A deputada federal Carmen Zanotto (Cidadania-SC), formada em enfermagem, adiantou que pretende levar o tema ao debate na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) nos próximos dias:

— Tudo aquilo que tem transparência não gera comentários equivocados. Então, se o governo pensa em dar visibilidade e transparência, esse é o momento que estamos vivendo no mundo.

Outro ponto de cautela se dá pelo fato de, apesar de o governo estar discutindo o tema internamente, a medida ainda não ter sido apresentada pelo governo. Empresas e entidades ouvidas pelo GLOBO, como AMB, Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Interfarma e Associação Brasileira da Indústria de Tecnologia para Saúde (Abimed), também avaliam positivamente a medida, mas pedem que o debate e o diálogo se ampliem.

— Transparência sempre é bom. (É uma) medida saudável. Deixa o governo propor, para que possamos estudar e detalhar — afirma o senador Marcelo Castro (MDB-PI), que foi ministro da Saúde de 2015 a 2016.

A medida avaliada pelo governo não é inédita. O texto é semelhante ao chamado Sunshine Act, dos Estados Unidos, que determina a divulgação de dados que possam gerar conflito de interesse por profissionais da saúde. Pela norma americana, as farmacêuticas precisam publicizar pagamentos de gastos como transporte, alimentação e hospedagem para eventos a profissionais.

— É uma coisa que já funciona em muitos países. Acho que é (uma medida) fundamental. É importante por princípio da transparência, para que as pessoas tenham noção exata da razão de se estar defendendo determinada técnica ou medicamento — avalia o deputado federal Hiran Gonçalves (PP-RR), que também é médico.

Procurado pelo GLOBO, o CFM não se manifestou.

Fonte: O Globo – 21/06/2022

Por Melissa Duarte

Conteúdo publicado originalmente no O Globo
(https://oglobo.globo.com/saude/medicina/noticia/2022/06/medicos-e-laboratorios-farmaceuticos-entenda-o-que-devera-mudar-em-breve-nessa-relacao-conflituosa.ghtml)

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