Políticas públicas devem facilitar que escolhas saudáveis sejam feitas pela população
Em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 7 em cada 10 mortes são causadas por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) como câncer, diabetes, doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas. Essas doenças representam um dos principais desafios de saúde pública em diversos países do mundo. No Brasil não é diferente: cerca de 70% das mortes são causadas por DCNT e seus agravos.
A pandemia de Covid-19 impactou de maneira relevante o cenário de DCNT no país. De acordo com os achados do Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia) a crise global de saúde contribuiu para o aumento de hábitos não saudáveis na população brasileira, piorando diversos indicadores relacionados aos fatores de risco para DCNT.
O inquérito, desenvolvido pela Vital Strategies, organização global de saúde pública, e pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a partir da articulação e financiamento da Umane e cofinanciamento do Instituto Ibirapitanga, revela o aumento de alguns comportamentos de risco entre brasileiros e brasileiras. Entre o período pré-pandemia e o primeiro trimestre de 2022, o consumo de legumes e verduras caiu 12,5% na população em geral. O que também diminuiu foi a prática de atividade física, com redução de 21,4% na proporção de pessoas que cumprem o recomendado pela OMS (150 minutos por semana).
O Covitel ainda constatou que 20,6% dos brasileiros haviam consumido álcool de maneira abusiva no mês anterior à pesquisa (quatro doses ou mais para mulheres e cinco doses ou mais para homens em uma única ocasião). E, além disso, atestou que outros índices que vinham melhorando nos últimos anos, como o tabagismo, tiveram a tendência positiva interrompida, se mantendo estagnados.
Em um contexto em que muitos hábitos da população pioraram, o inquérito mostrou que não houve aumento estatisticamente significativo nos diagnósticos médicos de hipertensão e diabetes no período de análise. Mas, ao contrário do que possa parecer, isso não é necessariamente uma notícia positiva. Essa estabilidade pode estar vinculada ao menor acesso a diagnóstico médico no período de isolamento social. Com a atenção direcionada para a emergência em saúde, a assistência às doenças crônicas não transmissíveis foi menos priorizada, aumentando as dificuldades de acesso a novos diagnósticos e a tratamentos oportunos.
Esses dados mostram a herança que a pandemia tem deixado para as doenças crônicas não transmissíveis, trazendo um desafio duplo: 1) a reversão da piora nos hábitos da população, demandando investimento em políticas e ações de promoção da saúde; 2) a capacidade do sistema para lidar de forma proativa com uma demanda reprimida de diagnósticos e tratamentos para hipertensão e diabetes que não foram realizados de forma oportuna.
E essas duas prioridades têm que andar juntas. A relação entre os hábitos não saudáveis e a hipertensão, por exemplo, fica ainda mais clara quando nos aprofundamos nos dados do Covitel: dos diagnosticados com hipertensão, 22,7% fumavam no 1º trimestre de 2022, enquanto na população geral essa prevalência é de 12,5%. Quando se fala em marcador de alimentação saudável, 25,7% das pessoas com hipertensão relataram consumir verduras e legumes cinco ou mais vezes por semana, contra 39,5% da população total. Os indicadores relacionados à atividade física, consumo de álcool e prevalência de obesidade também são piores na população com hipertensão. E quem também anda de mãos dadas são as próprias DCNT: 68,1% das pessoas com hipertensão também têm diagnóstico de diabetes, ou seja, sete vezes mais do que o verificado na população total (9,3%).
Assim como são urgentes as ações de promoção da saúde, é imprescindível que o sistema de saúde se prepare estruturalmente e financeiramente para lidar com esses pacientes que não tiveram diagnóstico e tratamento adequados, podendo, muitas vezes, já chegar com maiores complicações aos serviços de saúde. Um estudo recente mostra que atualmente, os custos econômicos gerados pelas DCNTs já são pesadíssimos. Os custos atribuídos ao sobrepeso e à obesidade no Sistema Único de Saúde (SUS) chegam a US$ 654 milhões. Já as doenças cardiovasculares tiveram os maiores custos atribuíveis (US$ 289 milhões), seguidas pelas doenças respiratórias crônicas, com custo de US$ 110 milhões.
As DCNT, em sua maioria, são evitáveis. Elas estão diretamente relacionadas às condições de vida das pessoas, determinadas pelo acesso a bens e serviços públicos, garantia de direitos, acesso à informação, emprego e renda e possibilidades de fazer escolhas favoráveis à saúde. Portanto, para viabilizar e incentivar a mudança individual nos hábitos de diversos brasileiros e brasileiras, é extremamente importante que existam políticas públicas que facilitem a redução da inatividade física, levem à diminuição do consumo de alimentos ricos em sódio, açúcar e gorduras e dificultem hábitos como tabagismo e o consumo do álcool. Uma opção para reforçar essa mudança é aumentar a tributação de alimentos não saudáveis e do tabaco como forma de frear o consumo e adoção de hábitos desfavoráveis ao enfrentamento das DCNT.
Para reverter os impactos impostos pela pandemia no cenário das DCNTs no Brasil e garantir um futuro mais saudável para a nossa população, que, inclusive, está envelhecendo e será, em breve, na sua maioria idosa, os governos, mais do que nunca, precisam investir na construção de um país em que alternativas saudáveis sejam facilitadas nos ambientes onde as pessoas vivem e convivem, tornando-as escolhas padrão da população em todo o país.
Fonte: Folha de S. Paulo – 22/12/2022
Por Fernando C. Wehrmeister, Luciana Sardinha, Pedro do Carmo Baumgratz de Paula, Pedro Hallal, Raylayne Bessa, Rebeca Freitas e Thais Junqueira*
*Fernando C. Wehrmeister é Professor Associado da Faculdade de Medicina na Universidade Federal de Pelotas; Pedro do Carmo Baumgratz de Paula é Diretor Executivo da Vital Strategies Brasil; Pedro Hallal é Professor Titular da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas; Raylayne Bessa é Analista de políticas de saúde do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde; Rebeca Freitas é Coordenadora de Advocacy e Relações Governamentais do IEPS; Thais Junqueira é Superintendente Geral da Umane.
Conteúdo publicado originalmente pela Folha de S. Paulo
(https://www1.folha.uol.com.br/blogs/saude-em-publico/2022/12/de-olho-no-futuro-o-impacto-da-pandemia-nas-doencas-cronicas-nao-transmissiveis.shtml)
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