Transformação digital deve vir junto de proximidade entre médico e paciente
As revoluções industriais foram transformadoras, pois geraram insumos fundamentais para o desenvolvimento contínuo da sociedade: o conhecimento. Vivemos hoje a quarta revolução industrial, caracterizada pela navegação ultrarrápida, internet das coisas, big data, inteligência artificial, computação em nuvem e robótica. Todos esses avanços mudaram drasticamente a forma como a medicina cuida de seus pacientes, com dados que fomentam uma saúde mais preditiva, assertiva e que gera uma melhor entrega de cuidado às pessoas.
Um exemplo dessa transformação são os prontuários eletrônicos. Faz duas décadas que passamos a nos apoiar neles e essa ferramenta fundamental permite armazenar conjuntamente registros de atendimento, como prescrição e evolução médica, exames laboratoriais e de imagem, e está acessível a todas as equipes de saúde, da enfermagem, time multiprofissional, sempre com segurança e respeitando às leis de acesso à informação. O prontuário eletrônico funciona em tempo real, o que acelera a tomada de decisão e melhora a prestação da prática médica. Em muitas instituições, os próprios pacientes têm acesso ao seu prontuário, o que lhes confere a oportunidade de acompanhar seu quadro clínico a qualquer momento.
Do ponto de vista da segurança do paciente, os sistemas alertam para resultados críticos de exames, que requerem intervenção imediata e interação medicamentosa, doses e posologia. Por meio de algoritmos e protocolos, os prontuários apoiam os médicos na escolha do melhor tratamento. A inteligência artificial possibilita integrar dados clínicos, laboratoriais e predizer probabilidade de complicação em pacientes internados, como em casos de sepse e até parada cardíaca. Ainda há desafios a serem superados, como a integração de informação entre instituições, sejam elas públicas ou privadas, de tal forma que os atendimentos em locais distintos estivessem todos armazenados no mesmo lugar.
Na área de diagnóstico por imagem, algoritmos conseguem potencializar a capacidade de detecção de patologias e tumores pelo radiologista. Na terapêutica, já estamos trabalhando com diferentes gerações de equipamentos na área de cirurgia robótica, mais comumente usada na urologia (câncer de próstata), ginecologia (endometriose), cirurgia torácica (tumores) e aparelho digestivo. Na reabilitação, o uso dos robôs tem auxiliado na reaprendizagem do movimento de determinados grupos musculares em pacientes que tiveram acidente vascular cerebral (AVC). A genômica e a medicina personalizada, buscam identificar, por meio de testes genéticos, biomarcadores e desenvolvimento de terapias-alvo para cada indivíduo.
A telemedicina vem ganhando espaço e se consolidou durante a pandemia, permitindo não só os atendimentos virtuais, mas a integração de prontuários e receituários –tudo digital. Exames realizados em um centro médico podem hoje ser avaliados a distância, em outra cidade ou país, agilizando resultado e racionalizando custos. Com o advento da tecnologia 5G, cogita-se a realização de procedimentos cirúrgicos a distância.
Na área da gestão hospitalar, a integração de dados permitiu a criação de centros de comando capazes de acompanhar disponibilidade de leitos, previsão de alta hospitalar (baseada em dados clínicos), controle de insumos e necessidade de alocação de recursos humanos. Durante a pandemia, foram fundamentais para garantir a operação fluída com medicina de excelência, mesmo em um momento de pressão como nunca antes vivido.
A tecnologia também trouxe um paciente mais participativo. Ele próprio busca informação e novas técnicas e tratamentos para o seu problema, e participa ativamente do processo de decisão de tratamentos. Dispositivos portáteis e individuais, de uso domiciliar, permitem o melhor controle de diabetes, coagulação, ritmo cardíaco, eletrocardiograma, pressão, oxigenação e sono. E esses dados já podem ser integrados aos sistemas de tecnologia já citados, como prontuários eletrônicos. Tudo a distância.
A tecnologia fomenta uma revolução de conhecimento, mas são as relações humanas, médico-paciente e de equipes multiprofissionais, que vão sempre orientar as pessoas para o melhor cuidado. Isso, sim, será a sinergia da tecnologia na saúde.
Fonte: Folha de S. Paulo – 27/09/2021
Por Fernando Ganem*
* Médico cardiologista, é diretor geral do Hospital Sírio-Libanês e coordena o programa de residência de clínica médica da instituição.
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