Aprovação de novos medicamentos deve obedecer a ritos técnicos de eficácia
O projeto de lei nº 6330/19, em trâmite na Câmara dos Deputados, prevê a ampliação do acesso a tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral aos beneficiários de planos de saúde a partir, única e exclusivamente, do registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sem passar pela indispensável análise técnica da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Essa incorporação automática de novos medicamentos, desprezando-se a avaliação de sua eficiência e de impacto econômico, bem como a realização de estudos comparativos de seus benefícios com os de outros fármacos já disponíveis, representa um prejuízo aos pacientes e compromete a sustentabilidade dos sistemas de saúde.
Ao propor a eliminação de uma etapa essencial do processo a cargo da ANS, responsável pela Avaliação da Tecnologia em Saúde (ATS), o projeto de lei expõe a população ao uso de remédios com custo-efetividade desconhecida.
Não à toa, a ATS é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com o objetivo de observar as consequências clínicas, a relevância terapêutica e o impacto econômico de tecnologias recém-desenvolvidas. Há uma avaliação comparativa de diferentes produtos para a mesma terapia, a fim de escolher aquele que oferece melhores resultados ao menor custo. Só assim é possível determinar a conveniência de adotá-los.
A cada dois anos, a partir dessas análises, a ANS incorpora novos tratamentos ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. A atualização mais recente ocorreu em abril, com o acréscimo de 69 coberturas, sendo 50 medicamentos e 19 procedimentos como exames, cirurgias e terapias. Entre os medicamentos que passaram a ser contemplados, 19 são antineoplásicos orais que englobam 28 indicações de tratamento para câncer. Essas atualizações são necessárias, mas sem que haja precipitação.
O debate deve considerar também a limitada abrangência de um projeto de lei que visa apenas aos beneficiários de planos de saúde, que representam um quarto da população brasileira, e exclui 160 milhões de brasileiros do acesso a medicamentos supostamente importantes. Afinal, para serem oferecidos pelo SUS, terão de passar pelo escrutínio da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), encarregada de implementar a ATS na rede pública.
Atualmente, apenas 11 medicamentos registrados na Anvisa aguardam avaliação da ANS. Como parâmetro, nenhum deles foi aprovado no Canadá, conforme solicitado pelo fabricante, e apenas um recebeu aval no Reino Unido. Alguns foram rejeitados, e outros estão condicionados a negociações dos preços. Se aprovado o projeto de lei nº 6330/19, estes mesmos 11 medicamentos seriam automaticamente incorporados sem qualquer avaliação.
Medicamentos novos nem sempre são mais eficazes, mas invariavelmente custam mais, até centenas de vezes mais. A evidência sobre a eficácia e segurança do uso de “Olaparibe” para condição específica de câncer de mama —para citar outro exemplo— baseia-se em um único estudo de fase 2, e não houve diferença de expectativa de vida entre quem tomou o medicamento e quem não tomou. O preço da caixa com 56 cápsulas ultrapassa R$ 15 mil.
O gasto excessivo com medicamentos sem comprovação de custo-efetividade, que tende a aumentar exponencialmente caso o projeto de lei nº 6330/19 seja aprovado, terá impacto direto nos reajustes dos planos de saúde.
Abreviar o período para a inclusão de tratamentos é uma pauta legítima que deve ser implementada nos setores de saúde público e privado. Uma possibilidade é ter um único órgão para realizar a Avaliação da Tecnologia em Saúde, a fim de que todos os brasileiros, sem distinções, sejam beneficiados.
Precisamos debater abertamente esse processo, dar espaço ao contraditório e ouvir argumentos de todos os lados. A saúde das pessoas está em primeiro lugar e, para isso, precisamos contar com a tecnicidade que o tema requer.
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Fonte: Folha de S.Paulo – 01/06/2021
Por Renato Casarotti – Presidente da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde)
Conteúdo publicado originalmente na Folha de S.Paulo
(https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/06/preservar-a-avaliacao-da-tecnologia-em-saude-e-o-unico-caminho.shtml?origin=folha)
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