Seis em cada dez brasileiros vivem em famílias em que nenhum dos membros possui plano de saúde, ou seja, dependem exclusivamente do SUS (Sistema Único de Saúde) ou pagam diretamente os serviços de saúde —a porcentagem exata é de 64,4%. Na outra ponta, 18,1% dos brasileiros vivem em famílias em que todos possuem plano de saúde. Já outros 17,4% estão em lares onde pelo menos um membro da família tem convênio particular de saúde.
Os dados fazem parte de um relatório da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) 2017-2018, com foco no perfil das despesas no Brasil, divulgado hoje pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O levantamento foi realizado entre julho de 2017 e julho de 2018 —antes, portanto, da pandemia do novo coronavírus.
No Brasil, todos os cidadãos têm direito assegurado ao atendimento de saúde pelo SUS. Para o IBGE, o fato de 64,4% dos brasileiros viverem em lares em que ninguém tem acesso a um seguro particular de saúde “dá um panorama da importância do SUS para as famílias”.
É para essa população que, de acordo com Isabel Martins, pesquisadora do IBGE, “a política pública tem que olhar com mais intensidade”. “Doença não é um evento esperado. Às vezes, você acorda doente ou com dor. E nem sempre a pessoa tem poupança ou alguma reserva financeira para utilizar nesse momento”, afirma a pesquisadora.
Ela explica que, em momentos de necessidade como esses, as famílias podem vir a ter problemas financeiros ou de estruturas de gasto decorrentes desse evento de saúde. Entre as possibilidades, segundo ela, estão a redução de despesas com alimentação ou o atraso no pagamentos de contas como luz ou gás para realizar a compra de um medicamento.
“Se ela tem acesso gratuito a esse medicamento, isso não acontece”, pontua.
O relatório do IBGE destaca ainda que “o acesso a seguro privado (plano de saúde) gera uma dupla entrada no sistema de saúde, via pública e privada, o que pode aumentar as disparidades de acesso e, por conseguinte, diferenças no estado de saúde da população”.
Desigualdades regionais e raciais
Das pessoas que vivem em famílias em que todos têm plano de saúde, segundo a pesquisa, a maior parte (10,3%) está região Sudeste, enquanto a menor parte (0,6%) está na região Norte.
Ao mesmo tempo, a região Sudeste também tem a maior parte (23,5%) daqueles que residem em famílias em que ninguém possui plano de saúde. Já a região Centro-Oeste é onde reside a menor parte entre os que vivem em lares onde ninguém tem convênio.
Na análise dos dados do IBGE, é possível avaliar também os efeitos das disparidades raciais no acesso a planos de saúde privados. Entre as famílias em que todos possuem plano de saúde, de acordo com a pesquisa, 6,4% eram chefiadas por pessoas pretas ou pardas, enquanto 11,3% tinham uma pessoa branca como membro de referência.
Nas famílias em que ninguém tem convênio particular, 41,3% eram do grupo de pessoas de referência pretas ou pardas. Entre as famílias chefiadas por brancos, a taxa foi quase a metade: 22,4%.
“Isto indica que há uma maior proporção de pessoas em famílias de pessoas de referência pretas e pardas com acesso prioritário pelo SUS ou que teriam que realizar desembolsos diretos no momento de alguma necessidade em saúde”, destaca o IBGE.
Famílias gastam mais com habitação, transporte e alimentação
O levantamento mostra ainda que as famílias brasileiras dedicaram as maiores fatias de orçamento para gastos com habitação, transporte e alimentação.
Entre o período de 2017 e 2018, a despesa total per capita das famílias brasileiras foi de R$ 1.667,90. Desse total, 93,2% (R$ 1.370,53) são destinados a despesas de consumo, que envolvem gastos com moradia, alimentação, transporte, vestuário, educação e outros serviços.
As despesas com habitação são responsáveis pela maior parcela desses gastos (R$ 466,34). Em seguida, vêm as despesas com transporte (R$ 234,08) e alimentação (R$ 219,44).
O acesso à saúde é responsável pela parcela de R$ 133,23 dos gastos, enquanto a educação corresponde a R$ 124,04. Recreação e cultura (R$ 32,94) e vestuário (R$ 53,45) figuram entre as menores parcelas das despesas de consumo.
As disparidades raciais também têm reflexos nas despesas per capita das famílias. De acordo com o levantamento, lares chefiados por pessoas pretas ou pardas têm uma despesa total per capita 47% menor do que a de famílias que são chefiadas por pessoas brancas. Enquanto as famílias cujas pessoas de referência são brancas têm despesa total per capita de R$ 2.279,19, para os lares cujas pessoas de referência são pretas ou pardas esse valor é de R$ 1.207,11.
Fonte: UOL – 25/11/2020
Por Ana Carla Bermúdez