À espera de lei definitiva, consultas por vídeo e telefone já fazem parte da rotina de pacientes e profissionais da saúde

Atendimentos médicos a distância se popularizam no Brasil durante a pandemia; profissionais defendem nova legislação

“Estamos 20 anos atrasados”. É o que responde Roberto Umpierre, chefe do serviço de medicina ambulatorial do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), quando questionado sobre a situação das teleconsultas no Brasil, que se popularizaram no país na pandemia de covid-19.

Antes das restrições provocadas pela crise sanitária, esse tipo de atendimento, a distância, era permitido apenas em situações de urgência, nas quais não era possível um médico atender o paciente de forma presencial no momento.  Hoje, a prática, que faz parte da telemedicina, é autorizada por uma lei sancionada em caráter emergencial em abril de 2020 devido à pandemia.

Para que o atendimento não fique sem base legal definitiva, um projeto de lei (PL) quer regulamentar a prestação de serviços a distância em todas as áreas da saúde (chamada telessaúde) no Brasil. O PL foi aprovado na Câmara dos Deputados em abril deste ano e foi enviado para o Senado, mas não tem previsão para ser votado.

Umpierre define o atraso do país na questão com um exemplo usado no artigo Dezoito anos em dois dias, no qual é um dos autores. O material afirma que, em 2002, os Estados Unidos e a Inglaterra já faziam 25% dos atendimentos da atenção primária à saúde (APS) por meio de teleconsultas. Naquele mesmo ano, o Brasil não permitia a prática. No entanto, com a necessidade da pandemia e a autorização da telemedicina de forma emergencial, a área da saúde começou a avançar no país. 

— O Brasil ficou para trás enquanto outros países desenvolveram tecnologias para melhorar a consulta remota. Mas, nesses dois anos de pandemia, conseguimos avançar muito. O que fizemos pela telemedicina é mais do que qualquer outro país fez nesse período (na pandemia de covid-19) — pontua o responsável pelo trabalho no Hospital de Clínicas.

O médico menciona outros países como exemplo de boas práticas dos atendimentos remotos: Canadá, Austrália, países da Europa, locais onde as legislações sobre telessaúde são mais antigas e que desenvolveram tecnologias para o atendimento a distância nos últimos anos, o que deve ocorrer no Brasil se a lei virar definitiva, segundo ele.


Chamadas por áudio e vídeo já estão na rotina 

O Hospital de Clínicas Porto Alegre já investe na telemedicina. Em uma sala da instituição há 12 estações de trabalho equipadas com computadores com webcams e telefones. Outros setores do hospital também contam com equipamentos que permitem a condução de consultas remotas e presenciais. Hoje, das consultas a distância feitas pela equipe, 20% são por vídeo e 80% por telefone. Há um manual com os procedimentos a serem adotados durante o contato com os pacientes.

A nutricionista clínica Márcia da Silva Vargas fazia teleatendimentos no hospital na manhã da última quinta-feira (26). A função dela é acompanhar pacientes com sequelas da covid-19 relacionadas à alimentação, como dificuldade de comer e mastigar, perda de peso e aqueles que se alimentam por sonda.

— Eu consigo atender essa demanda a distância e prestar assistência. Tem pacientes com dificuldade de andar, em cadeira de rodas. Então, vir até aqui é complicado. O contato telefônico facilita a vida deles e a nossa, porque eu consigo fazer uma triagem e encaminhar para atendimento presencial apenas quem realmente precisa — explica a profissional, que estima resolver 80% das demandas pelo telefone.

Umpierre acrescenta que o atendimento remoto também garante mais segurança das pessoas que ficam expostas a acidentes de trânsito no deslocamento para consultas presenciais, por exemplo. Segundo ele, são várias as situações que podem ser resolvidas por um telefonema. 

— Há vários estudos que indicam que a teleconsulta diminui custos (para os hospitais e pacientes), aumenta a qualidade (do serviço) e facilita o acesso, além de proporcionar comodidade ao paciente. Ela já é parte da nossa rotina no hospital. Não tem como retroceder nisso — defende o médico.


Ampliação

Desde que a prática foi autorizada no Brasil pelo governo federal, em abril de 2020, o Hospital de Clínicas soma 140 mil teleconsultas. Em alguns momentos, o número de atendimentos desse tipo chegou a 10 mil por mês.

A meta do Clínicas é chegar a 20% o número de consultas feitas a distância, o que representa 120 mil por ano. Para isso, são estudados investimentos para criação de um sistema próprio do hospital para o trabalho e a expansão dos atendimentos por vídeo, em caso de aprovação da lei definitiva.

— Não trabalhamos com a ideia de que a telemedicina vai substituir a consulta presencial. Elas são complementares. No futuro, o atendimento vai se tornar cada vez mais híbrido. Teremos uma consulta presencial e outra remota, ou o contrário — explica.


Lacuna dos atendimentos

Marcelo D’Ávila, vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), entende que a telemedicina ampliará o acesso da população a serviços médicos. Segundo ele, as entidades da categoria entendem que não faltam profissionais no país: os problemas são as poucas políticas públicas e de plano de carreira para que os profissionais sejam melhor distribuídos no território brasileiro, o que pode ser amenizado com a aprovação da lei.

— A telemedicina pode completar essa lacuna dos atendimentos em pequenas localidades, onde faltam profissionais, e também em locais de maior porte onde faltam especialistas. Isso, sem dúvida, pode reduzir as filas de atendimento da saúde pública — diz D’Ávila, acrescentando que o Cremers trabalha para que o texto do projeto de lei seja aprovado sem modificações.

O vice-presidente do Cremers cita um estudo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) sobre a solução dos problemas dos pacientes nas teleconsultas: em 90% dos casos as demandas foram resolvidas sem a necessidade de uma consulta presencial.

— (A teleconsulta) foi fundamental, não apenas no atendimento, mas também na assistência aos pacientes na pandemia de covid-19. Eles não circulavam e deixaram de ser vetores de transmissão. A pandemia mostrou a viabilidade (da consulta a distância) — diz.

Dados da Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital (ABTMS), que representa empresas privadas de telemedicina do Brasil, indicam que, entre 2020 e 2021, mais de 7,5 milhões de atendimentos remotos foram feitos no Brasil, por cerca de 52,2 mil médicos. 

Conforme o levantamento, 87% deles foram primeiras consultas. “Graças à tecnologia, mais de 6,5 milhões de idas desnecessárias ao pronto-socorro foram evitadas. Os dados reforçam a eficácia e a necessidade da continuidade da telessaúde no mundo pós-pandêmico”, diz a entidade no relatório.


Lei definitiva

Dois movimentos nos últimos dias mostram o avanço para a regulamentação definitiva da telessaúde no Brasil. O primeiro foi a aprovação do PL 1998/20 na Câmara dos Deputados, que autoriza e define o conceito para a prática em todas as profissões da área da saúde.

A proposta, de autoria da deputada Adriana Ventura (Novo-SP), foi aprovada por 300 votos favoráveis e 83 contrários, no fim de abril. 

O PL agora está no Senado e precisa ser aprovado antes de ir para sanção presidencial. Não há, no momento, prazo para que isso ocorra Assim, a prática da telessaúde segue autorizada no país em caráter emergencial pela lei sancionada em abril de 2020, que permitiu a telemedicina na pandemia de covid-19. Se essa lei for revogada e o PL não for aprovado, a telessaúde retorna para o regulamento pré-pandemia, quando as teleconsultas não eram permitidas. 

No texto do PL que regula a telessaúde, o atendimento é definido como a “modalidade de prestação de serviços de saúde a distância, por meio da utilização das tecnologias da informação e da comunicação, que envolve, entre outros, a transmissão segura de dados e informações de saúde, por meio de textos, de sons, de imagens ou outras formas adequadas”.

O PL dá autonomia ao profissional de saúde, que poderá escolher se fará ou não o atendimento a distância. O paciente poderá consentir com a teleconsulta ou optar pela consulta presencial. 


Nova resolução

O segundo movimento importante para o tema ocorreu no início de maio. O Conselho Federal de Medicina (CFM), órgão responsável por fiscalizar e normatizar a prática médica no país, publicou uma resolução que regulamenta a atuação dos médicos na telemedicina. Ela substitui uma normativa de 2002 da entidade.

O material é relevante no tema porque o PL determina ser competência dos conselhos federais a fiscalização do exercício profissional a normatização ética relativa à prestação dos serviços.  Com a resolução atualizada e em caso de lei aprovada, os médicos terão bases legais que vão definir os procedimentos a serem permitidos na telemedicina.

A teleconsulta é uma das sete modalidades da telemedicina definidas pela nova resolução do CFM. As outras são: teleinterconsulta (quando médicos consultam outros médicos), telediagnóstico (envio de laudos de exames aos médicos), telecirurgia (ação mediada por robôs), telemonitoramento (o acompanhamento da evolução clínica do paciente), teletriagem (regulação do paciente para internação) e teleconsultoria (consulta entre trabalhadores, profissionais e gestores da área da saúde).


Entenda a diferença


– Telessaúde:
 é prestação de serviços a distância em todas as áreas da saúde, feita por meio de tecnologias.

– Telemedicina: é exercício da medicina mediado por tecnologias digitais para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde, de acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM)

– Teleconsulta: é uma consulta médica a distância, que pode ser feita por telefone ou chamada de vídeo, por exemplo. Também são conhecidas como teleatendimento, atendimento remoto, atendimento não presencial e atendimento a distância.

Fonte: Diário Gaúcho – 29/05/2022

Por Vinicius Coimbra

Conteúdo publicado originalmente no Diário Gaúcho
(http://diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/dia-a-dia/noticia/2022/05/a-espera-de-lei-definitiva-consultas-por-video-e-telefone-ja-fazem-parte-da-rotina-de-pacientes-e-profissionais-da-saude-23246043.html)

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