Impacto deve ser maior que os 18% de aumento do ICMS, avaliam entidades

Para setor, fim da isenção pode levar ao aumento do preço dos planos de saúde e à sobrecarga do SUS

O impacto do fim da isenção de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para materiais de saúde no estado de São Paulo pode ser ainda maior para o consumidor do que a alíquota de 18% que passou a incidir sobre a maioria desses produtos a partir deste ano. Essa é a avaliação de entidades que representam indústrias e distribuidoras do setor.

O superintendente da Abimo (Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos), Paulo Henrique Fraccaro, explica que as distribuidoras só recebem o pagamento dos hospitais entre 90 e 120 dias depois da entrega, mas têm de arcar com a alíquota do ICMS no momento em que emitem a nota fiscal.

“Essa diferença irá gerar um custo financeiro. Os distribuidores devem repassar não os 18% do ICMS, mas 20% a 22% na venda dos produtos”, diz.

O fim da isenção de ICMS em São Paulo incide sobre mais de 200 materiais médicos. Produtos como stents coronarianos, marcapassos, grampeadores cirúrgicos e cateteres balão eram isentos e passaram a ter cobrança de 18% a partir de 1º de janeiro.

Agulhas e seringas descartáveis tinham uma alíquota de 12% e agora têm cobrança de 13,3%. Produtos ortopédicos, que não tinham cobrança do imposto estadual, passaram a ser taxados em até 18%.

Válvulas cardíacas biológicas, usadas em aproximadamente 10 mil cirurgias por ano no SUS (Sistema Único de Saúde), tinham valor médio de R$ 1.530. Com o aumento de ICMS, passarão para R$ 1.800, de acordo com a fabricante Braile Biomédica, empresa de São José do Rio Preto (SP) especializada em produtos para cirurgias cardíacas, endovasculares e oncológicas.

A alteração da alíquota de ICMS também impactou os medicamentos. De acordo com o Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos), o mesilato de imatinibe, para terapia oncológica, passou de R$ 169.032,83 para R$ 192.082,76, um aumento de R$ 23 mil.

A Secretaria da Fazenda do governo de São Paulo informou, em nota, que medicamentos de alta complexidade que combatem Aids, câncer, entre outras doenças, continuarão tendo a distribuição gratuita na rede pública. Segundo a pasta, os materiais e insumos que passam a ser tributados a 18% são aqueles que encontram equivalentes na rede pública.

O diretor-executivo da Abraidi (Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde), Bruno Bezerra, explica que a isenção da rede pública de hospitais e das Santas Casas gera um crédito tributário para as distribuidoras no momento da venda dos materiais, mas afirma que esse crédito vai se tornar custo.

“O distribuidor não tem fluxo de caixa robusto para esperar, muitas vezes, anos até receber esses valores”, diz Bezerra. “No papel, a isenção faz sentido, mas na realidade, não funcionará.”

Ele questiona o anúncio de que haveria um corte linear de 20% sobre os benefícios tributários para os setores. “No nosso caso, muitos produtos eram desonerados, ou seja, passaram de uma alíquota zerada para 18%, que é um aumento muito maior que 20%.”

Para as entidades, o provável aumento de preços gerado pelo fim da isenção de ICMS deve impactar a demanda pela rede pública de hospitais.

“O setor de saúde opera no limite. Haverá aumento de preços nos planos de saúde, o que provocará uma migração maior de pessoas do sistema privado para o público”, prevê Fernando Silveira Filho, presidente-executivo da Abimed (Associação Brasileira da​ Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde).

Marco Novais, superintendente-executivo da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), concorda que os atores que compõem o setor não têm condições de represar o fim da isenção de ICMS, e aponta que a cobrança vem em um cenário de aumento natural de preços por conta da alta demanda de produtos de saúde em razão da pandemia.

“Os insumos ficaram mais caros, e esses preços provavelmente não vão retornar ao patamar anterior”, afirma Novais.

Para a Secretaria da Fazenda, a revisão de benefícios fiscais não atingirá a rede pública, pois o governo garantiu a manutenção da isenção para medicamentos genéricos, assim como para todas as compras de hospitais públicos, Santas Casas e rede de atendimento do SUS.

A administração estadual afirma ainda que “a rede particular já costuma onerar os consumidores, apontando como argumento que os planos de saúde tiveram reajuste de 8,14% sobre os planos individuais e de 15% sobre os planos coletivos, valores acima da inflação”.

Nos cálculos do governo, o ajuste fiscal irá gerar R$ 7 bilhões em recursos, que ajudarão a cobrir o rombo das contas públicas causado pela pandemia.

HISTÓRICO DAS DISPUTAS DO ICMS

13/08/2020 – Governador João Doria (PSDB) apresenta proposta de ajuste fiscal à Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) com objetivo de diminuir o rombo de R$ 10,4 bilhões nas contas por causa dos gastos com a pandemia.

14/10/2020 – Por 48 votos a 37, Alesp aprova o texto principal do PL 529, sobre o ajuste fiscal, que, entre outros pontos, permite ao governo rever benefícios fiscais, como a isenção ou alíquotas de ICMS inferiores a 18%.

1/01/2021 – Passam a valer as mudanças de alíquotas do imposto estadual para parte dos produtos de saúde que eram isentos, entre eles stents coronarianos, marca-passo, grampeadores cirúrgicos, que são taxados em 18%. O benefício é mantido para compras de medicamentos e materiais de saúde pelos hospitais públicos e Santas Casas.

6/01/2021 – Pelo menos 100 sindicatos rurais, associações e cooperativas agrícolas se organizam para participar de um “tratoraço” contra as mudanças no ICMS​ que incidiria sobre insumos agrícolas a partir de 15 de janeiro, e que, segundo entidade do setor, poderiam elevar os custos da produção em até 30%.

7/01/2021 – Sob pressão, Doria anuncia a suspensão do corte do benefício para insumos agropecuários usados na produção de alimentos e medicamentos genéricos.

7/01/2021 – Mesmo com anúncio de suspensão do corte de benefícios de ICMS para insumos agropecuários e alimentos, produtores promovem “tratoraços” em diversas cidades de São Paulo; a preocupação era o alcance do cancelamento, que ainda não havia sido detalhado pela gestão.

14/01/2021 – Hospitais privados obtêm liminar na Justiça de São Paulo que os isenta da cobrança de ICMS na compra de insumos médicos hospitalares e medicamentos.

15/01/2021 – Governo de SP cumpre promessa e publica três decretos revogando mudanças feitas na cobrança de ICMS para produtos hortifrutigranjeiros, insumos agropecuários, energia elétrica rural e medicamentos genéricos. A manutenção das isenções e alíquotas reduzidas vai diminuir em R$ 520 milhões anuais a projeção do ajuste fiscal.

20/01/2020 – Decisão do presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Geraldo Franco, derruba quatro liminares que suspendiam o aumento do ICM

Fonte: Folha de S. Paulo – 22/01/2021

Por Artur Búrigo

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