STJ adota decisões importantes para a saúde suplementar

Importante tese de direito do consumidor foi adotada pelo Superior Tribunal de Justiça e publicada no informativo n.º 163, de 12 de fevereiro de 2021.[1]

A tese trata do custeio da fertilização in vitro pela operadora de planos de saúde e está assim redigida:

Na ausência de previsão contratual expressa, impõe-se o afastamento do dever de custeio da fertilização in vitro pela operadora do plano de saúde, por não se tratar de hipótese de cobertura obrigatória.

O entendimento foi fixado a partir dos seguintes julgados:

a) AgInt no REsp 1876507/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 21/10/2020;

b) AgInt no REsp 1857075/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 21/09/2020, DJe 24/09/2020;

c) AgInt no REsp 1818694/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe 09/09/2020;

d) AgInt no REsp 1853807/RO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/2020, DJe 28/05/2020;

e) AgInt no REsp 1794214/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18/05/2020, DJe 21/05/2020;

f) AgInt no AREsp 1110938/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 11/05/2020, DJe 14/05/2020.

O artigo 10 da Lei nº 9.656, de 1998, determina expressamente que a inseminação artificial não está incluída no plano de referência de assistência à saúde que, obrigatoriamente, deve ser oferecido por todas as operadoras de saúde que atuam no país.

A Lei n.º 11.935 de 2009 modificou o artigo 35 da Lei nº 9.656, de 1.998, para criar o artigo 35-C, que incluiu o planejamento familiar como cobertura obrigatória para todos os planos de saúde no Brasil.

A Resolução Normativa da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar n.º 338, de 21 de outubro de 2013, por sua vez, fixou o entendimento a respeito das ações que caracterizam o planejamento familiar e, nesse sentido, determinou em seu artigo 7º que:

Art. 7º As ações de planejamento familiar de que trata o inciso III do artigo 35-C da Lei nº 9.656, de 1998, devem envolver as atividades de educação, aconselhamento e atendimento clínico previstas nos Anexos desta Resolução, observando-se as seguintes definições: (grifo nosso)

I- planejamento familiar: conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal;

II- concepção: fusão de um espermatozoide com um óvulo, resultando na formação de um zigoto;

III- anticoncepção: prevenção da concepção por bloqueio temporário ou permanente da fertilidade;

IV- atividades educacionais: são aquelas executadas por profissional de saúde habilitado mediante a utilização de linguagem acessível, simples e precisa, com o objetivo de oferecer aos beneficiários os conhecimentos necessários para a escolha e posterior utilização do método mais adequado e propiciar a reflexão sobre temas relacionados à concepção e à anticoncepção, inclusive à sexualidade, podendo ser realizadas em grupo ou individualmente e permitindo a troca de informações e experiências baseadas na vivência de cada indivíduo do grupo;

V – aconselhamento: processo de escuta ativa que pressupõe a identificação e acolhimento das demandas do indivíduo ou casal relacionadas às questões de planejamento familiar, prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis/Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – DST/AIDS e outras patologias que possam interferir na concepção/parto; e

VI – atendimento clínico: realizado após as atividades educativas, incluindo anamnese, exame físico geral e ginecológico para subsidiar a escolha e prescrição do método mais adequado para concepção ou anticoncepção.

Planejamento familiar traduz um conjunto de ações que obrigatoriamente deverão ser fornecidas pelas operadoras de saúde, porém não inclui a fertilização in vitro. O planejamento familiar estará coberto pelas operadoras de saúde e será concretizado por meio de atendimento clínico e aconselhamento dos beneficiários.

A fertilização in vitro não é cobertura obrigatória nos planos de saúde, embora possa ser contratada com as operadoras que a oferecem para além do rol de procedimentos e eventos em saúde fixado pela ANS e, atualizado pelo próprio regulador a cada dois anos. No caso de contratação de cobertura para fertilização in vitro, ela deverá constar expressamente como cláusula no contrato firmado entre as partes.

Apesar dessas determinações claras e objetivas da lei e da agência reguladora, muitas demandas judiciais foram propostas ao longo dos últimos anos por beneficiários que desejavam fazer fertilização in vitro com custeio pelo plano de saúde, embora não fosse cobertura prevista no rol de referência e nem contratada especificamente.

Algumas decisões judiciais favoreceram os beneficiários e motivaram o debate que, finalmente, chegou ao Superior Tribunal de Justiça.

A tese adotada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ recoloca a segurança jurídica na ordem do dia ao estabelecer como definitivo aquilo que já estava contemplado na lei: (i) não há obrigatoriedade de cobertura de fertilização in vitro para as operadoras de saúde porque esse procedimento não consta no plano-referência que fixa as coberturas obrigatórias; e, (ii) as operadoras de saúde poderão oferecer essa cobertura contratual mediante pagamento do beneficiário.

A medida é benéfica para toda a mutualidade porque se trata de cobertura bastante específica que se fosse obrigatória seria custeada com recursos de todos os participantes do fundo mutual, onerando muitas pessoas em benefício de poucas.

Não há discussão sobre a pertinência do desejo das famílias terem filhos biológicos. Essa é esfera da privacidade e da concretude da autodeterminação de cada pessoa, e não pode se constituir em objeto de debate.

A discussão jurídica fica restrita ao campo dos pilares fundamentais da estrutura da saúde suplementar no Brasil, todo ele organizado a partir da formação de fundos mutuais compostos com a contribuição de todos para custeio das despesas assistenciais de todos. Todos os beneficiários pagam o que todos os beneficiários utilizam, ou seja, não há individualização do custeio e nem das despesas.

Assim, o equilíbrio econômico-financeiro dos planos de saúde atende à lógica de utilização racional dos recursos constituídos com a contribuição de todos os beneficiários, tanto aqueles que utilizam como os que não utilizam as coberturas. Para que haja equilíbrio é preciso que as coberturas obrigatórias se concentrem nas possibilidades mais abrangentes, ou seja, que beneficiem toda a mutualidade.

Isso não impede que os beneficiários interessados em realizar procedimentos mais específicos contratem essas coberturas, que são oferecidas por muitas operadoras de saúde no Brasil.

A decisão do STJ, sem dúvida, prestigia a segurança jurídica e protege os interesses da mutualidade.

[1] Disponível em:

Documento

https://scon.stj.jus.br/docs_internet/jurisprudencia/jurisprudenciaemteses/Jurisprudencia%20em%20Teses%20163%20-%20Direito%20do%20Consumidor%20-%20VII.pdf PDF

Fonte: O Estado de S. Paulo – 27/02/2021

Por Angelica Carlini*

*Angelica Carlini, advogada.

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